Olhares sobre a Pobreza
Da desigualdade à inspiração
Por onde começar?
Vemos homens e mulheres que fazem da rua o seu alento de casa. Vemos cartazes que dizem “tenho fome”, malabarismos com orçamentos domésticos, pedintes, roupas em trapos, casas em ruínas, ocupadas, frias, indigentes. Sentimo-nos escravos da penúria, da carência. Vemos humanidade que sobrevive. E há muitas outras vidas que não vemos. Muitos outros mundos que nos estão vedados, porque é complicado, porque há vergonha, porque a indigência não é, na maioria das vezes, uma bandeira hasteada, um cartão de visita que se mostra. Quantas mulheres e quantos homens se escondem? E quantos preconceitos hão-de existir sobre isto que é pobreza. Quem é o pobre?
Num contexto em que tanto se fala de crise e desigualdade social, num 2016 em que já se fala numa agenda de desenvolvimento das nações unidas pós-2015 (sem a concretização efetiva dos oito objetivos anteriormente propostos), num momento em que sociólogos como Boaventura de Sousa Santos nos falam de forma contundente que precisamos de alternativas ao desenvolvimento, temos de olhar melhor para o que se passa à nossa volta e entender. Perceber que fronteira é esta, ou não, que nos separa do outro, daquele outro pobre. Refletir sobre o que podemos fazer, enquanto jornalistas e futuros jornalistas qual o nosso papel, a nossa responsabilidade na promoção e na educação para um mundo mais inclusivo.
Em 2015, no contexto da unidade curricular de Géneros Jornalísticos, convidei a socióloga Elizabeth Santos, da Rede Europeia Anti-Pobreza, para partilhar com os estudantes o trabalho que a instituição desenvolve e sobre o que é a pobreza. Perante uma turma silenciosa porque surpreendida, como se o contacto com esta realidade tivesse tirado o fôlego, percebi que o caminho seria desafiar os estudantes a desenvolver trabalhos sobre o tema. A pergunta que mais latejou na mente dos estudantes foi, consistentemente, por onde começar? Do voluntariado, a testemunhos na primeira pessoa, das questões de saúde, passando pela habitação, desertificação e memória, eis um conjunto de trabalhos sobre o tema Pobreza, desenvolvido por futuros jornalistas. Não é um fim em si mesmo, mas é um princípio.
Vanessa Rodrigues, jornalista e docente de Géneros Jornalísticos na Universidade Lusófona do Porto
"O que é a pobreza?"
Entrevista a Elizabeth Santos, Rede Europeia Anti-Pobreza
Elizabeth Santos é socióloga e trabalha desde 2003 na EAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza , em Portugal, no Gabinete de Investigação e Projetos. Tem participado em diversos projetos de intervenção e investigação, abordando temas como qualidade organizacional, políticas de inclusão ativa e rendimento mínimo garantido, microcrédito, pobreza e exclusão social, imigração, refugiados, e tráfico de seres humanos. Foi a técnica responsável pelos primeiros anos de funcionamento do Observatório de Luta contra a Pobreza da Cidade de Lisboa, da EAPN Portugal. Em Novembro de 2015, acedeu a um convite para uma aula aberta para a Unidade Curricular de Géneros Jornalísticos, lecionada pela docente Vanessa Rodrigues, na Universidade Lusófona do Porto. Depois disso, resolvemos entrevistá-la coletivamente para melhor enquadrar o tema pobreza em Portugal: o que é, seus desafios e medidas de ação atuais.
O que se considera por pobreza em Portugal?
Podemos definir pobreza como a “condição humana caraterizada por privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais” [Comissão sobre Direitos Sociais, Económicos e Culturais, das Nações Unidas, 2001], ou seja, de uma forma mais simples poderíamos dizer que a pobreza é a privação das condições necessárias para termos acesso a uma vida digna.
No entanto, muitas vezes, limita-se o conceito de pobreza a uma dimensão meramente monetária/financeira e transpõe-se para o conceito de exclusão social outras dimensões tais como o acesso aos direitos e aos serviços. Neste caso, dentro da União Europeia, definiu-se uma fórmula de cálculo para definir quem estaria ou não em situação de risco de pobreza. A linha de pobreza é definida como “60% do rendimento mediano por adulto equivalente” [INE]. Assim, estaria em situação de risco de pobreza um adulto que, em 2014, tivesse um rendimento inferior a 422 euros por mês.
Esta definição de pobreza traz a mais-valia de poder contabilizar a proporção de pessoas em risco de pobreza, comparar países e a evolução ao longo do tempo. Mas se é objetiva desse ponto de vista, torna-se muito subjetiva se pensarmos que um euro poderá fazer a diferença entre ser ou não ser considerada como estando em situação de pobreza. Por outro lado, não tem em conta outros fatores como a diferença do custo de vida entre diferentes cidades do país, ou a possibilidade ou não de aceder a alojamento de forma gratuita. Uma pessoa que recebe 421€ e reside gratuitamente num espaço cedido ou herdado de um familiar está em situação de pobreza. No entanto, uma pessoa que recebe 425€ e paga 220€ de alojamento não é considerada nas estatísticas da pobreza.
Gostaria também de reforçar que quando utilizamos este conceito mais restrito de pobreza, é importante que a eles esteja sempre associado o conceito de exclusão social. É verdade que podemos estar em situação de exclusão social apesar de termos uma situação económica favorável (e.g.: uma pessoa com determinada deficiência pode nascer e viver numa família “rica”, no entanto, poderá ter dificuldade em aceder ao mercado de trabalho, a frequentar determinados espaços, ser discriminado num conjunto de situações, etc). No entanto, se a nossa condição económica influencia a nossa capacidade de acesso a bens e serviços, o acesso a esses bens e serviços tem um impacto na nossa condição económica. Podemos dar o exemplo de uma criança que, devido às condições económicas em que vive, é obrigada a abandonar a escola ou não consegue ter sucesso escolar (devido a problemas de nutrição; impossibilidade dos pais fazerem um acompanhamento da sua aprendizagem quer pela falta de conhecimentos quer pela impossibilidade de pagar um apoio escolar extra curricular; problemas de saúdes crónicas devido às condições do alojamento; etc). O seu baixo nível de escolaridade, por sua vez, poderá ter impacto no leque de oportunidades que terá quando entrar no mercado de trabalho e, consequentemente, no seu rendimento mensal enquanto adulto
Que tipos de pobreza ou perfis de pobreza existem em Portugal? Por exemplo, parece existir alguma pobreza invisível, porque, socialmente, parece existir alguma vergonha sobre o ser pobre.
As estatísticas da pobreza são úteis quando queremos traçar alguns perfis de pobreza, uma vez que nos mostram grupos que estão mais vulneráveis. De facto, existe uma maior percentagem de pessoas em situação de pobreza junto das crianças, dos desempregados, das famílias numerosas e das famílias monoparentais, dos imigrantes, nomeadamente dos estrangeiros provenientes de países terceiros e minorias étnicas (em particular as comunidades ciganas).
No entanto, se pensarmos no conceito de pobreza na sua concepção mais abrangente, percebemos facilmente que existem outros grupos sociais vulneráveis, tal como os idosos. Se é verdade que ao nível estatístico a taxa de pobreza entre os idosos é menor do que a taxa de pobreza nas crianças ou nos adultos com menos de 65 anos, também é verdade que este grupo lida com a dificuldade de acesso a outras esferas importantes da vida em sociedade, quer devido ao isolamento geográfico, a dificuldades em locomoção, a discriminação social, os custos elevados com a saúde, etc.
Quando falamos de pobreza envergonhada, normalmente nos referimos a pessoas que tiveram uma condição económica estável ao longo de parte significativa da sua vida, mas que devido a um ou vários motivos, entraram numa situação de precariedade e tentam esconder tanto quanto possível as reais condições em que vivem. Esta não é uma realidade nova em Portugal. No entanto, com a atual crise económica, a austeridade e o aumento do desemprego confrontamo-nos com um número crescente de pessoas que passaram a ter um rendimento muito baixo (ou mesmo inexistente) mas que têm receio de recorrer a determinados apoios sociais devido aos estereótipos associadas às pessoas em situação de pobreza. Um exemplo é a vergonha expressa por muitas pessoas em aceder ao Rendimento de Inserção Social, uma das medidas mais exposta à crítica social.
Como é que nós cidadãos podemos contribuir para ajudar em questões de desigualdade, pobreza?
Enquanto cidadãos devemos procurar compreender as verdadeiras causas da pobreza e ajudar a desconstruir os estereótipos que existem. Ser pobre não é sinónimo de não gostar de trabalhar, ou ser preguiçoso, ou não saber gerir o dinheiro, ou querer ser um “subsídio dependente”, etc. Na verdade 11% dos trabalhadores são pobres em Portugal. Um relatório do Instituto de Segurança Social sobre o Rendimento Social de Inserção, de 2008, refere que 41% destes beneficiários eram crianças; que para 31% dos beneficiários o RSI era um complemento do rendimento do Trabalho; e para 23% este apoio social vinha complementar os valores que recebia através de pensões.
De facto, o problema de pobreza, em Portugal, está associado a baixos salários e a desigualdades na distribuição dos rendimentos. É essencial que a sociedade tenha um melhor conhecimento do fenómeno da pobreza. Este desconhecimento, juntamente com uma responsabilização dos pobres pelas condições em que vivem e a utilização política dos estereótipos da pobreza ou de determinados grupos, mina a coesão social e diminui a capacidade política para a implementação de políticas de luta contra a pobreza com capacidade de intervir nas causas da pobreza.
Como surgiu o seu interesse por esta causa?
Nasci num país com fortes desigualdades sociais (Brasil) e onde ainda vigorava uma ditadura militar que apenas terminou em 1985. Vivi uma década de 80 do século XX, na qual lentamente regressava uma maior liberdade de expressão, com a publicação dos primeiros livros sobre a repressão militar e a tortura, o retorno de alguns refugiados políticos, ativistas sociais com mais voz, etc. Vim para Portugal em 1988, altura em que o Brasil comemorava o centenário do fim da escravatura. E cem anos é muito pouco tempo para uma sociedade…
Vivi num país de forte miscigenação, mas também com fortes injustiças sociais e racismo contra negros e índios. Num país que romantizava personagens de índios em novelas e, o mesmo tempo, permita que existissem professores que falassem em sala de aula que não pensariam duas vezes antes de matar um índio (e que entrasse em detalhes sobre como o faria). Nasci num país de imigração, filha de pais imigrantes. Vim para um país de emigração e para uma família de emigrantes. Como tal, as desigualdades, as injustiças sociais, o racismo, o preconceito face aos imigrantes/emigrantes, todos estes temas fizeram parte do meu percurso. O trabalho na EAPN Portugal permitiu-me conhecer melhor esses temas e aumentar o meu interesse na intervenção no combate à pobreza e à exclusão social.
Qual a percepção dos portugueses sobre a pobreza e a exclusão?
Num estudo elaborado pela Amnistia Internacional em parceria com a EAPN Portugal, em 2010, verificou-se uma perceção de que as situações de pobreza são causadas principalmente por questões laborais. O contexto de crise e de aumento do desemprego influenciou claramente esta perceção, assim como as opções políticas dos últimos anos onde o combate à pobreza esteve centrado ou na oferta de cantinas sociais (para minimizar situações de pobreza extrema) ou no combate ao desemprego. De facto, quer na Europa, quer em Portugal a palavra de ordem nesta área passou a ser o combate ao desemprego. Essa visão esconde, no entanto, outras causas igualmente importantes tais como a ausência de um sistema de proteção social que de facto retire ou proteja as pessoas da situação de pobreza (quer em situação de velhice, na infância, na doença, na deficiência, no desemprego, etc), uma maior justiça e igualdade social, um melhor acesso à saúde, um sistema educativo mais inclusivo, melhor acesso aos serviços, etc.
Por outro lado, cria também uma diferenciação das perceções entre os “velhos” e os “novos” pobres. Apesar de não existirem estudos a este nível, verifica-se muitas vezes no discurso de quem trabalha na área social uma diferenciação entre os “novos pobres” - no qual a situação de pobreza é mais recente, causada essencialmente pelo desemprego, com uma forte experiência profissional e para quem a situação pode ser resolvida com a reinserção no mercado de trabalho - e os “velhos pobres” onde as causas da pobreza são mais complexas e os percursos de inserção são mais difíceis. Durante este período de crise, a situação dos “velhos pobres” tornou-se ainda mais vulnerável, com novos cortes em apoios sociais, um sistema nacional de saúde ainda mais frágil e um maior afastamento face ao emprego. Porque empregar uma pessoa com deficiência se existem apoios financeiros para empregar ou dar estágios aos jovens (muitas vezes licenciados)? Quem privilegiar na inserção laboral: uma pessoa que depois de 20 anos de trabalho se encontra desempregado, levando a que a família entre pela primeira vez numa situação de pobreza; ou uma pessoa que ao longo dos anos teve apenas pequenas experiências de trabalho precário, muitas vezes na economia informal, e que sempre viveu com a sua família em situação de pobreza?
Por outro lado, existe também uma maior tendência para responsabilizar estes “velhos pobres” (muita vezes representados pela imagem do beneficiário do RSI) pela situação em que se encontram comparativamente aos “novos pobres”. É de facto junto dos beneficiários do RSI onde existe uma imagem fortemente estigmatizante, tendo sido muito utilizado no discurso político de determinados partidos com uma forte associação à fraude, ao facilitismo, a pessoas que não querem trabalhar e que preferem viver de subsídios, etc.
Da sua experiência, quais parecem ser as ideias erradas sobre o tema pobreza?
Existem várias ideias erradas sobre a pobreza. Uma é que resolvendo o problema de desemprego e aumentando a riqueza do país, está-se a combater a pobreza. Podemos ter como exemplo os EUA que, sendo um dos países mais ricos do mundo, tinha, em 2014, 47 milhões de pessoas em situação de pobreza (15% da sua população) e 105 milhões de pessoas (33% da população) numa situação de proximidade à pobreza (o rendimento do agregado é inferior ao dobro do limiar de pobreza). De facto, sem uma boa distribuição da riqueza, as bolsas de pobreza permanecem independentemente do crescimento do PIB. Estas desigualdades na distribuição da riqueza são ainda mais agravadas quando existem discriminações junto de grupos específicos. Podemos novamente dar o exemplo dos EUA onde a taxa de pobreza da população do grupo étnico “brancos” é de 10% e a dos ”negros” é de 26%. (Fonte: http://www.povertyusa.org/the-state-of-poverty/poverty-facts/).
Por outro lado, também não é linear que o crescimento do emprego leve necessariamente à diminuição da pobreza. A diminuição da pobreza via aumento do emprego irá depender do tipo de emprego criado. Quando esse crescimento é baseado no emprego decente, então teremos um impacto na diminuição da pobreza. Mas quando se baseia em baixos salários e na precaridade laboral, poderemos verificar um crescimento do emprego acompanhado de um aumento do número de trabalhadores pobres. Neste caso, podemos dar o exemplo da Roménia. A taxa de desemprego em 2014 era de 6.8%, um valor que estava significativamente abaixo da média da União Europeia (10.2%). No entanto, a taxa de trabalhadores pobres na Roménia, nesse ano, era de 19.6%, enquanto para a média da União Europeia era de 9.5%. Se tivermos em conta o crescimento do emprego na Roménia entre 2007 e 2014, verificamos que a taxa de emprego passou de 58.8% para 61%, ao mesmo tempo que a taxa de pobreza dos trabalhadores passou de 18.3% para 19.6% (Fonte: Eurostat).
Outra ideia errada é que a pobreza é uma fatalidade que dificilmente será possível combater. De facto, não é um problema de solução fácil uma vez que está relacionado com elementos estruturais da sociedade. Mas sobretudo porque o combate à pobreza raramente é percebido como uma prioridade política e raramente é acompanhado de uma estratégia de combate à pobreza com uma abordagem multidimensional.
Parece existir algumas ideias erradas sobre os beneficiários do RSI. Na sua opinião que ideias erradas são essas, e que equívocos gostaria de ver esclarecidos?
Nas respostas a perguntas anteriores já fui abordando um pouco os estigmas que existem face a esta população. Uma das questões que já foi abordada é que quem recebe o RSI está nessa situação porque prefere viver como subsídio-dependente. No entanto, os dados disponíveis (infelizmente remontam apenas a 2008) demonstram que um número significativo destes beneficiários são crianças (41%) e para 53% este apoio vem complementar o rendimento do trabalho ou de pensões.
Outra ideia errada é que o valor da prestação que estes beneficiários recebem é elevado permitindo que estas pessoas tenham uma “boa vida”. Na realidade, o valor está longe de permitir que um beneficiário saia da pobreza e tenha uma vida digna. O valor máximo para um beneficiário do RSI era, em 2015, 178.15€. Uma família composta por dois adultos e dois filhos receberia no máximo 374,10€ do RSI. (Em Março de 2016 entrará em vigor algumas alterações ao RSI permitindo um ligeiro aumento dessa prestação, e o valor para uma pessoa será de 180,99€). Gostaria no entanto de reforçar que quando um agregado familiar recebe uma prestação de 374,10€, este será o rendimento total do agregado. Ou seja, não existe a possibilidade de somar à prestação do RSI outros rendimentos. Pelo contrário, caso existam outros rendimentos (ex: abono de família, trabalho, etc), este é descontado no valor da prestação. Assim, aquilo que se verifica é que o valor médio das prestações é de facto muito baixo. Em 2014 o valor médio por indivíduo era de 91.68€ e o valor médio por família era de 215,37€.
Uma outra ideia errada que se houve muitas vezes é de que “andamos nós a descontar para manter malandros”, mas na verdade o que ninguém explica é que o RSI pertence ao regime não contributivo e por isso não deriva dos descontos efetuados para a Segurança Social. As prestações sociais da Segurança Social estão divididas em dois regimes: o regime contributivo, no qual só beneficia quem contribuiu (ex: subsídio de desemprego; doença; alguma pensões); e o regime não contributivo, que tem como objetivo a proteção social aos mais vulneráveis. Os valores descontados pelos trabalhadores para a Segurança Social só podem ser utilizados para as prestações do regime contributivo. No caso do regime não contributivo, os custos são suportados pelo orçamento do Estado (via impostos como IRS, IVA; etc). A existência de medidas como o RSI não coloca em causa a sustentabilidade da Segurança Social, nomeadamente as prestações do regime contributivo.
Em relação a fraude, o governo anterior criou uma alteração ao regulamento do RSI em que impedia o acesso à medida a quem tivesse um valor do património mobiliário (depósitos bancários, ações, certificados de aforro ou outros ativos financeiros) superior a 25.153,20€. Essa medida foi amplamente divulgada criando no cidadão português a ideia que existiam muitas pessoas com contas bancárias de 100.000€ a receber o RSI. Em 2012, o governo estimava que as medidas de combate a fraude no RSI permitiriam poupar 70 milhões de euros. De facto, houve uma diminuição do número de beneficiários do RSI entre 2012 e 2015. No entanto, a verdadeira razão desta diminuição foi a alteração da formula de cálculo que levou a uma diminuição das prestações das famílias e, consequentemente, uma diminuição das famílias que poderiam aceder a este tipo de apoio. Por outro lado, uma maior burocratização do processo de acesso e de renovação desta medida também levou a que algumas famílias tivessem maior dificuldade em aceder ao RSI ou que não fizessem o pedido de renovação de forma atempada (perdendo assim o acesso a medida). Apesar de vários partidos da oposição terem questionado o governo sobre o número de beneficiários que perderam o acesso ao RSI por terem um património mobiliário superior aos 25.153,20€, o Ministro do Trabalho e Segurança Social do anterior governo nunca respondeu a esta questão.
Por que razão situações de pobreza podem conduzir a situações de exclusão?
A pobreza e a exclusão social andam normalmente lado a lado, sendo muitas vezes consideradas como sinónimos. No entanto, podemos nos focar apenas na dimensão monetária e económica da pobreza para perceber como esta dimensão promove ou agrava situações de exclusão. Facilmente compreende-se o impacto da pobreza em determinadas dimensões da exclusão social, como por exemplo a dimensão do acesso aos serviços (serviços de saúde, lares de idosos, etc). Quando temos uma situação económica precária estamos limitados aos serviços públicos existentes e às suas listas de espera. No caso da educação, as condições económicas têm um impacto na capacidade de aceder às aulas particulares, ou a ter condições de estudo em casa (ex: luz ou espaço), ou dificuldades de aprendizagem devido a uma nutrição deficiente, ou a necessidade e o desejo de abandonar a escola para poder trabalhar, etc. A condição económica também determina o local em que moramos. Viver num bairro social poderá ser, por si só estigmatizante e poderá ter impacto no momento de entrada no mercado de trabalho. Podemos também falar na dependência de rede de transportes públicos que é deficitária em algumas áreas geográficas tendo consequência em aspetos como o acesso ao emprego, aos serviços, etc.
E quais parecem ser os maiores erros que a imprensa comete ao cobrir questões de pobreza?
Em primeiro lugar, a imprensa deve estar devidamente sensível para os efeitos perversos de alguns títulos de notícias. Com a disponibilização gratuita de notícias na internet, acredito que cada vez mais as pessoas sejam seletivas face ao que leem. Ao entrar no website dos jornais diários, acredito que leem os vários títulos disponíveis e só abrem as notícias no qual têm curiosidade ou interesse pessoal. Por isso, em muitos casos a informação que recolhem resume-se ao título das notícias e, em alguns casos, às imagens disponibilizadas. A partir daí constroem a sua própria interpretação do que será a notícia em causa. Como tal, um título em que haja uma associação de um grupo específico (social, étnico, etc), sobretudo quando é um grupo especialmente vulnerável, face a uma situação negativa (crime, fraude, benefícios especiais relativamente a outros grupos, etc) poderá reforçar estereótipos. A este nível, existe já uma recomendação (da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) para os meios de comunicação social e forças de segurança publica sobre as referências à nacionalidade, à pertença étnica, à religião ou ao estatuto migratório nas informações e é muito importante garantir que esta recomendação seja cumprida.
Outra questão importante é que muitas vezes as notícias são pouco desenvolvidas não sendo possível uma verdadeira compreensão do fenómeno em causa. Os fenómenos sociais são normalmente muito complexos e a mera descrição de um acontecimento poderá ser pouco esclarecedor e poderá inclusive reforçar estereótipos ou conflitos sociais. Para tal, é importante que os jornalistas tenham fontes que trabalhem esta área social e que lhes ajude a compreender determinados fenómenos. Pode-se dar como exemplo uma notícia do Correio da Manhã de 2012 na qual é feita a referência a um casal com uma filha que recebia uma prestação de RSI no valor total de 840€ (dos quais 140€ referia-se apenas a uma criança). A notícia é corroborada por uma fonte da PSP que viram o comprovativo da prestação recebida, o que torna a notícia ainda mais credível. No entanto, pelas regras do RSI sabemos que um casal com uma filha não tem acesso a uma prestação deste valor e que o valor máximo para uma criança é de apenas 53.44€ e não os 140€ noticiados. Na realidade, o valor noticiado não se refere à prestação mensal recebida pelo agregado familiar, mas sim ao acumular de vários meses de prestações. Este acumular das prestações é relativamente comum, sobretudo no primeiro mês em que é feito o pagamento destas prestações. Assim, apesar de não ser totalmente falsa a notícia e de ter fontes credíveis, esta notícia promove uma “desinformação” e reforça ideias erradas sobre os beneficiários do RSI. Uma fonte da área social que ajude os jornalistas a compreenderem estas situações teria prevenido esta situação.
Ainda relativamente à questão dos estereótipos e à associação que por vezes se faz nos títulos das notícias a aspetos de um determinado grupo, saliento também a referência às questões da idade. Dizer num título de notícia, como a que o JN publicou no dia 1 de fevereiro – Idoso despista-se e “varre” dezenas de carros junto a escola – usando a palavra - idoso – apenas vem reforçar os estereótipos relativamente à idade e aumenta o hiato e conflito entre gerações. Uma ideia deste tipo cria no cidadão comum uma imagem errada das pessoas mais idosas, ou seja, de que estas são incapazes e inválidas. E, no entanto, segundo uma notícia do Público (2 de Fevereiro) o risco de morte em acidentes rodoviários entre os jovens (18 aos 24) é cerca 30% superior ao da restante população.
As fotos também vêm reforçar estereótipos. Normalmente nas notícias sobre a pobreza, as imagens que ilustram essas notícias ou reportagens estão sobretudo relacionadas com a pobreza extrema (sem abrigo, barracas, mendicidade, etc). Estas imagens vêm reforçar uma leitura parcial (e extrema) da pobreza levando a que muitas pessoas não se reconheçam como estando em situação de pobreza, que se cubram no manto da invisibilidade da pobreza envergonhada e uma parte significativa deste fenómeno torna-se ainda mais invisível aos olhos da sociedade. Por outro lado, estas imagens reforçam igualmente a ideia que o combate à pobreza baseia-se numa ação assistencialista (muito centrada no apoio alimentar e na emergência social), não sendo promovida a necessidade de uma intervenção estruturada e que abranja as diferentes dimensões da vida em sociedade.
Um último erro que se comete neste tipo de profissão (mas não é apenas aqui) é de se achar que não se precisa de formação. Os jornalistas lidam com tanta informação, falam com tantos outros profissionais de diferentes áreas, que facilmente se cai no erro de se achar que se sabe um pouco de tudo e que pouco há para aprender. Estar aberto a “perder um pouco de tempo” (como habitualmente se diz) para ir a um seminário ou participar numa ação de formação – apenas como cidadão que se é e não como jornalista – é cada vez mais fundamental. Os jornalistas também são pessoas, com ideias feitas, preconceitos, etc e muitas vezes é difícil ser isento. Tivemos recentemente uma atividade para a qual convidamos um jornalista para este participar e fazer uma notícia sobre o que iria ser realizado. O que se passou entretanto é que se pediu ao jornalista para estar nas diferentes reuniões preparatórias do evento, para ir percebendo o objetivo da atividade, as pessoas que estavam envolvidas (pessoas em situação de pobreza), as temáticas que iriam ser debatidas e as propostas apresentadas. O jornalista acabou por “ter de perder um pouco de tempo” em toda esta fase preparatória, mas no final, o resultado foi positivo para todas as partes envolvidas.
Entendemos também que uma das grandes barreiras que um jornalista encontra numa redação é, por exemplo, o Diretor de Informação. Um Diretor de Informação que também é um cidadão, que também tem os seus preconceitos, e que considera que também não tem mais nada a aprender, influencia a equipa com a qual trabalha e a informação que se partilha para o exterior.
Sendo a pobreza um problema público, em que medida os jornalistas podem fazer a diferença nas notícias de caráter social?
De forma consciente ou não, os jornalistas têm um impacto diário na construção de um conhecimento social e imagem social nesta área. Todas as notícias têm em si esse potencial de reforçar ou desconstruir preconceitos e estereótipos, assim como impulsionar os restantes cidadãos para a ação. Quantas petições e campanhas surgem a partir de notícias publicadas em jornais, na televisão ou na internet? Temos o exemplo das imagens do pequeno Aylan kurdi morto numa praia na Turquia e o seu impacto na criação de movimentos civis de solidariedade e de apoio aos refugiados (ex: Aylan Kurdi Caravan criado em Lisboa).
É importante que os jornalistas tenham consciência deste poder não só quando estão perante grandes furos jornalísticos, mas também nas pequenas notícias diárias. Quanto mais sensível for o tema e quanto mais vulnerável for o grupo em causa, maior é a responsabilidade do jornalista na construção da notícia e maior deve ser a sua sensibilidade para a área social.
Por outro lado, temos também as grandes reportagens sobre os temas sociais. Estes são espaços privilegiados para informar com maior profundidade os cidadãos sobre essas matérias. É importante que haja mais reportagens abordando os fenómenos da pobreza e exclusão social e que estas reportagens sejam pensadas de forma cuidada para evitar o reforço de estereótipos. Procurar apoio junto de ONGs de combate à pobreza e de investigadores sociais para compreender melhor os fenómenos em causa poderá fazer toda a diferença na construção dessas reportagens.
Em suma, diria que os jornalistas têm um papel fundamental no combate a pobreza, retirando o fenómeno da invisibilidade e ajudando a sensibilizar a população para esta causa. No entanto, não se trata apenas de mais notícias sobre o fenómeno e o seu combate, mas também de melhores notícias. Notícias que ajudem a informar, sem reforçar preconceitos.
Quais os maiores desafios que se sente ao lidar com pessoas desfavorecidas?
Trabalhar com pessoas traz sempre desafios e quanto maior a vulnerabilidade destas pessoas, maior o desafio. Muitas vezes estão em causa pessoas que já passaram por diferentes políticas sociais, diferentes projetos de intervenção social, diferentes organizações, diferentes ações de formação, diferentes técnicos. Políticas, projetos, intervenções onde os resultados foram muitas vezes limitados, criando frustração, descrédito, desmotivação... E os resultados são muitas vezes limitados porque, tal como na área da medicina, muitas vezes intervém-se sobre os sintomas e não sobre as causas. Desenvolvem-se intervenções cujo enfoque é apenas o indivíduo que está em situação de pobreza, quando as causas são estruturais. Por exemplo, dá-se formação, mas não se criam condições (inclusive de mudança de mentalidade) para que as empresas contratem pessoas com perfis vulneráveis. Diria que o maior desafio nesta área é a complexidade destes fenómenos e a necessidade da intervenção ser concertada e multidimensional. Intervir simultaneamente no individuo e nas diferentes esferas da sociedade.
Quais as estratégias que podemos encontrar para que essas pessoas se sintam confortáveis para partilhar as suas histórias?
A fase da preparação do contacto (entrevista, reunião, etc) é muito importante. Nesta fase é possível uma recolha de informação que permita ter algum conhecimento sobre as situações em causa, os fenómenos, preparar-se (inclusive ao nível psicológico) para aquilo que poderá ouvir nessa entrevista e definir de forma clara os objetivos daquele contacto. É também importante dar a conhecer às pessoas em causa esses objetivos e como a informação recolhida será utilizada. Nesse primeiro contacto será importante construir também uma relação de confiança, e assegurar, caso seja necessário, o anonimato. Deve-se igualmente dar a oportunidade às pessoas para que reflitam sobre o pedido para falarem sobre as suas vidas, de forma a não se sentirem pressionadas e, posteriormente, usadas.
Deve também haver um grande cuidado para não se ser intrusivo quer nas perguntas, quer na recolha de imagem. Para tal, é importante não só o consentimento, mas também o respeito pelo espaço (físico e psicológico) do outro. Ter claro o objetivo das informações que estão a recolher também é importante para perceber até que ponto a exploração de determinado acontecimento ou sentimento é efetivamente útil para o objetivo que temos ou é a satisfação de uma curiosidade (com uma intromissão na privacidade do outro). O cuidado deve ser ainda maior quando estamos perante pessoas que viveram situações traumáticas. Um exemplo é o dos refugiados. Reviver determinados momentos das suas vidas poderá ser ainda mais traumatizante, como tal, é importante perceber quais as informações que são de facto importantes e qual deve ser o nosso limite na busca de conhecimento da vida do outro.
A postura de não julgamento face a essas histórias de vida também é essencial. Muitas vezes este julgamento é percebido não só através de críticas diretas, mas também através da forma como algumas perguntas são formuladas ou inclusive através de algumas expressões faciais. Como tal, é necessária alguma preparação face ao que poderá ouvir e um trabalho interior no sentido de compreender que as opções de vida de cada um é influenciado por um conjunto de vivências que a pessoa tem e do seu leque de oportunidades. Como tal, não podemos julgar essas vidas (e as suas opções) com base nas nossas vivências, nos nossos conhecimentos, nas nossas opções de vida.
O cuidado com a linguagem utilizada é outro elemento importante nessa relação, nomeadamente o cuidado com o vocabulário utilizado. Se estamos perante pessoas com níveis de escolaridade muito baixos, devemos utilizar palavras mais simples e evitar termos menos usuais ou mais técnicos. Esta atenção ao vocabulário é importante para evitar equívocos na comunicação, assim como impedir que se crie um sentimento de inferioridade dessas pessoas face a quem está a entrevistar.
Qual a sensação de conseguir ajudar pessoas que já tinham perdido a esperança?
A intervenção da EAPN Portugal não é uma intervenção focalizada no indivíduo, mas sim uma intervenção de dimensão mais macro, com enfoque nas políticas sociais, no conhecimento do fenómeno, na capacitação dos técnicos e das organizações para a intervenção social e na sensibilização. Como tal, em geral, não temos essa experiência de intervenção direta na resolução de problemas individuais.
Apesar disso temos alguns projetos um pouco mais focados no indivíduo. Temos por exemplo, Conselhos Locais de Cidadãos (um em cada distrito de Portugal continental) e um Conselho Nacional de Cidadãos. O objetivo destas estruturas é dar voz às pessoas com perfis de vulnerabilidade. Nesse sentido, procura-se um desenvolvimento ao nível dos conhecimentos dos seus direitos e das políticas sociais, ao nível da comunicação, do raciocínio crítico, entre outros. Verifica-se de facto uma grande evolução destas pessoas que numa fase inicial apesar de conhecerem por dentro as vivências da pobreza e as suas consequências, têm pouca capacidade de argumentação. Neste momento, temos pessoas que apresentam comunicações em seminários públicos e que interpelam políticos em encontros que fazemos quer ao nível nacional como ao nível europeu. Anualmente temos uma comitiva de três pessoas que participam nos Encontros Europeus de Pessoas em Situação de Pobreza, que decorre em Bruxelas, onde estão em contacto direto com eurodeputados e responsáveis políticos europeus. É sem dúvida gratificante acompanhar o crescimento da autoestima e do empoderamento dessas pessoas ao longo do tempo.
Alguém que esteja em situação de vulnerabilidade financeira, como pode pedir ajudar à EAPN?
A EAPN Portugal é uma rede de organizações que trabalham na área da luta contra a pobreza. Entre os nossos associados, encontramos organizações que intervêm em áreas específicas e junto de diferentes grupos vulneráveis. A EAPN Portugal, por outro lado, procura não substituir a intervenção dos seus associados e intervêm em áreas complementares da luta contra a pobreza, nomeadamente na influência política, capacitação das organizações e seus técnicos, promoção do trabalho em rede, dar voz às pessoas em situação de pobreza, sensibilização pública, etc. Como tal, quando nos surgem solicitações de apoio, nós informamos sobre as organizações que se encontram no terreno. São estas as organizações que estão mais vocacionadas para um apoio direto nestas situações.
Quem quiser colaborar com a EAPN, de que forma poderá colaborar?
A EAPN Portugal tem algumas áreas que são asseguradas especificamente por voluntários tais como a Coordenação dos Núcleos Distritais e os nossos Conselhos Locais de Cidadãos. No primeiro caso, trata-se de um convite direto por parte da Direção da EAPN Portugal. No caso dos Conselhos Locais de Cidadãos, os voluntários são pessoas que se encontram em situação de pobreza ou exclusão social ou que já vivenciaram estas situações.
Paralelamente, temos outras áreas de intervenção em que contamos ou podemos contar com o apoio de voluntários tais como a sensibilização, a informação, a investigação, o marketing, a tradução, o design, etc.
No caso de jornalistas ou de futuros jornalistas, para além da colaboração na divulgação de informações sobre estes fenómenos e sobre a intervenção feita, é igualmente possível uma colaboração na construção de notícias “socialmente responsáveis” que nos ajude a dar uma maior (e melhor) visibilidade a estes fenómenos.
“Não trocava esta vida por nada”
(Texto e Fotos)
“Sou pobre, mas não trocava esta vida por nada”
Para Dona Júlia não há encantos como os de “Lugar da Fome”. Não conhece outra realidade que não a pobreza, que aprendeu a ver sempre pelo lado positivo, o da resiliência.
Muitos a conhecem por Julinha do Antero. Na certidão de nascimento é Júlia de Jesus Machado. Nasceu e continua a desfrutar a sua vida num recanto escondido do concelho de Lousada: Caíde de Rei. As ruas que o “Zé do Telhado”, o famoso salteador do século XIX, percorreu naquela aldeia enquanto roubava aos ricos para dar aos pobres, conhece-as como a palma das suas mãos que enrugadas, com cicatrizes e manchadas da terra do campo são espelhos de uma vida de dificuldades.
O número 555 localiza-se na Sobreira, uma das divisões de Caíde de Rei. É a casa da “avó velhinha”, como lhe chamam as bisnetas. Um caminho íngreme ladeado pela casa da vizinha que dá acesso ao lar de Júlia. Do lado esquerdo no início da subida, uns anexos. “É a loja” esclarece a mulher que armazena todos os produtos do trabalho agrícola naquele cubículo de pedra que se esqueceram de pintar. Chama-lhe “a loja” porque aquele é o espaço onde reserva os bens essenciais, uma espécie de mercado pessoal. Nos mesmos anexos, mas numa divisão diferente: uma adega. O lagar está inativo. Em tempos, ali, produzia-se vinho. Uma bicicleta, uma mota e um conjunto de ferramentas amontoam-se impossibilitando a entrada. A meio da subida encontramos um lar. Uma cozinha de pedra pintada de preto pelo fumo do fogão que aquece as refeições de Julinha, do seu filho, Fernando Machado que já conta 46 primaveras e ainda da sua neta, Célia Machado de 15 anos.
Os três residem na mesma habitação composta por uma cozinha e três quartos, na região antigamente conhecida como o Lugar da Fome. As divisões estão separadas e dispostas como a letra “éle”, um formato diferente das casas da cidade. “Foi o meu marido que foi construindo e aos poucos, quando tínhamos dinheiro íamos melhorando” afirma Júlia.
Dois quartos separados por uma cortina que perdeu a cor com o tempo – um pertence a Fernando e o outro é da filha, Célia. As paredes são vítimas da humidade e o azul que um dia lhes deu vida, hoje é uma réplica de tinta deslavada. Não há lugar para persianas e a maioria da luminosidade do quarto entra por uma janela escondida atrás de uma cortina suspensa num fio. O outro quarto é o da avó velhinha. “É pequeno mas chega bem para mim”, defende-se.
Neste chão já não assenta a tijoleira, é igual ao que pisamos no pátio da casa. A passagem da cozinha para o seu quarto faz-se pelo exterior, o mesmo acontece para o quarto de Fernando e da sua filha. Aquando da infância dos filhos, o chão da casa era um brinde da natureza: a terra. Os colchões eram de palha e não havia televisão para ajudar a adormecer. As tecnologias nunca foram as melhores amigas da mulher que sempre viveu do campo e o cansaço era o suficiente para chegar à cama e adormecer. Não precisava de telemóvel ou de um colchão da Molaflex para ser feliz.
“Eles tinham boas casas e nós tínhamos uma estrumeira”
Cá fora, uma mesa de pernas enferrujadas, é ali que faz os almoços e jantares quando a família se reúne. Caso chova, socorre-se da casa de José Manuel, o outro filho de 48 anos, que emigrou para a Angola, mas não deixa de regressar para matar as saudades. Desde que o marido morreu não remodelou a casa e não tenciona fazer mudanças: “Eu sei que a casa é pequena, mas eu gosto dela assim. Não quero uma casa maior.” Tem ainda um terceiro filho com 54 anos, Manuel Machado, emigrante que como o irmão regressa sempre à aldeia que o criou. “Já lhe dei a possibilidade de viver noutra casa ou de mudar para a cidade, mas ela não aceita”, afirma o filho mais velho, salientando a teimosia da mãe em continuar naquelas condições mais precárias.
“Eu tinha vergonha de dizer onde morava aos meus amigos. Eles tinham boas casas e nós tínhamos uma casa pequena com uma estrumeira à frente” confessa José Manuel sobre os tempos de adolescência. Já o irmão mais velho, Manuel, recorda as fragilidades da própria casa: “Entrava água como se estivéssemos na rua e frio pelas frinchas das telhas”. Socorriam-se das mantas e cobertores que a avó construía através dos tecidos e roupas que já não tinham utilidade.
Júlia não relembra as dificuldades daquele período como uma mancha negativa no seu passado, pois sempre procurou retirar um bom partido do seu fado. “Fui feliz assim. Se não passasse pelos problemas que passei não seria o que sou hoje”, garante.
“Pobre, mas feliz”
“Não gosto que me chamem dona, o povo chama-me Julinha”, reforça a sua alcunha. E está ali, naquela casa, há mais de 50 anos e a sua vida é “ser pobre mas feliz”. Filha de mãe tecedeira e pai calceteiro, desde cedo habituou-se a viver do campo e da forma mais rentável possível. “Uma broa durava para 8 dias. Agora já não é assim, não se come pão do dia anterior”, afirmou Júlia. Criança, mal chegava ao forno e já amolgava a massa para a broa. Não dizia a conta certa da quantidade que fazia para que a sua mãe não percebesse que roubava broas para deliciar-se às escondidas com os irmãos. A fome obrigava-a a desobedecer. “A minha mãe deixava-as dentro do forno para não as comermos, mas íamos lá e roubávamos na mesma”, declara soltando uma gargalhada.
Era a segunda mais nova dos sete. “Dormíamos todos juntos, os meus irmãos dormiam em cima de uma barra com um colchão e as meninas dormiam numa cama” naquela casa com apenas três divisões- a cozinha, o quarto de tear da mãe e a sala que era o local onde todos dormiam.
Havia escola e havia vontade de estudar mas as dificuldades económicas eram maiores e os estudos acabavam esquecidos. Com apenas dez anos já puxava um carro de bois. Valer-se da infância e divertir-se como uma criança ficavam para segundo plano, se o tempo assim o permitisse. Esperava até ao final do ano para receber a recompensa do seu trabalho. “Estive quatro anos a fazer o mesmo, a ganhar 400 escudos por ano” juntamente com uns socos e uma camisa de linho, que “não usava porque picava o corpo”, relembra a criança que era injustamente afetada pelas condições económicas. Aos 14 anos viria a trabalhar como criada numa habitação em Macieira, uma das regiões de Caíde de Rei. “Ficava até às duas horas da madrugada a passar a ferro, mas lá enchia melhor a barriga”, confessa Julinha que entre os esforços reconhece algumas vantagens.
Entre namoros, um casamento
Júlia admite que “era arrebitadita quando era mais nova”. Por entre gargalhadas, admite que manteve diversos namoros durante a sua adolescência: “Namorei durante dois anos e meio para o meu falecido e único marido, mas não foi só para ele.” A boa disposição é uma particularidade da qual nunca se liberta, ainda que a vida nem sempre lhe demonstrasse a mesma alegria. O dinheiro era escasso para alimentar a boca de sete filhos, muito menos para cometer as extravagâncias dos namoros de agora. Não havia cinema, nem jantares. Namoravam em casa e tinham de se manter afastados.
Casou aos 18 anos com Alberto dos Santos, embora a dois dias da cerimónia tenha hesitado, porque o noivo lhe roubou um beijo à soleira da porta dos seus pais. Não havia dinheiro para alugar um transporte para a noiva. De saia e casaco com a mão ocupada pelo ramo de flores, caminhou até ao local onde juraria amor eterno. “Batatas assadas com cevadinha, antes não havia arroz e se havia era muito caro”, revela Júlia acerca da ementa que não era de um restaurante mas da cozinha dos pais. “Não tínhamos dinheiro para mais” acrescenta.
“Uma sardinha dava para três”
Os filhos vão nascendo e com eles mais gastos. A alimentação era uma das maiores preocupações de Júlia. Das batatas, cenouras e cebolas que a natureza lhe dava era necessário retirar o máximo proveito: “Comíamos batatas com a casca, para não desperdiçar nada”. Os filhos relembram os dias em que a sorte se sentava à mesa e para além da sopa que era o prato habitual, havia ainda uma sardinha, que deveria ser repartida pelos três. “Quem ficasse com a cabeça hoje, na próxima vez ficava com o rabo” – era a regra e todos deviam respeitar.
O “caldo”, como Júlia lhe chama, era feito à base de couves e pão para substituir a batata. Quando a vida corria melhor podia levar feijões. O pequeno-almoço não fazia parte do quotidiano, “só se tomava café quando era a Páscoa ou o Natal”. Durante a tarde, “partíamos uma broa e comíamos com cebola e sal”, relembra José Manuel.
As retretes e as bacias do banho
Depois da habitação existem ainda uns anexos que albergam coelhos e galinhas. Num local mas resguardado, encontram-se as retretes. Júlia tem possibilidades para fazer uma casa de banho com melhores condições. Aliás, os filhos ofereceram a possibilidade de a mãe ter uma divisão com uma sanita e uma banheira, o mínimo para uma boa higiene e bem-estar. Prefere as latrinas que são resultado do seu suor. Uma peça de madeira comprida com dois buracos, assentada numa estrutura de cimento que esconde dois bidões pretos que funcionam como um depósito das necessidades. Não há autoclismo. Mas Julinha prefere assim. Gosta de viver desta forma e os filhos acabaram por aceitar.
Na hora de tomar banho, a bacia não pode faltar. A água fica a aquecer no fogão a lenha, que em tempos não passava de uma fogueira com uma grelha por cima que suportava os tachos. “Antigamente íamos aos tanques públicos que regavam os campos” recorda José por entre os risos. A avó velhinha continua a tomar banho da mesma forma. A neta desloca-se à casa da vizinha que por gentileza disponibiliza a casa de banho. Com um sorriso no rosto, Júlia afirma: “Não me importo de tomar banho assim, lavo o cabelo e depois o corpo e fico bem”.
Os tempos de escola
“Era muito difícil pôr os três na escola e para eles também era difícil ir até lá” recorda a mãe de três filhos que não tinham transporte até ao estabelecimento de ensino. “Ia a pé todos os dias. Nos primeiros quatro anos demorava quinze minutos, mas a partir do quarto ano demorava uma hora a pé porque era uma escola diferente”, relembra Manuel, o filho que conseguiu avançar mais nos estudos. As mochilas eram sacos de pano e quando faltava algum material tinham de improvisar. “Às vezes não tínhamos pinceis e levávamos penas de galinha” revela José Manuel, o filho do meio. Não havia papel, ou havia mas era caro para comprar. “Antigamente o açúcar comprava-se às gramas e vinha num funil de papel que nós utilizávamos para nele escrever os trabalhos de casa” acrescenta.
O pior momento do ano chegava com o frio. O inverno era a estação mais complicada para quem não tinha condições económicas para se resguardar daquele que ameaçava a saúde e a agricultura. Na escola, as professoras solicitavam aos alunos que levassem lenha para “acender uma fogueira dentro de uma lata na sala de aula”, relembra Manuel. O período dos dias curtos era sinónimo de pouco tempo na cama. “Acordávamos mais cedo e púnhamos uma pedra a aquecer no fogão, depois embrulhávamo-la num pano e levávamos para aquecer as mãos no caminho até à escola” acrescenta o irmão mais velho sobre os dias em que o frio parecia ser o maior inimigo durante aquele percurso de uma hora. O improviso era o trunfo naqueles dias. À pedra embrulhada no pano adicionavam o calor das meias que utilizavam como luvas. A escola era um dos lugares prediletos de Manuel Machado que gostava de aprender e sentia-se bem naquele espaço onde vestia uma bata que escondia a roupa, muitas vezes, rota que trazia por baixo.
Finitas as aulas e havia tempo para brincar. “Brincávamos às flechas, aos índio e ao peão, brincávamos a tanta coisa”, Manuel recorda com alguma nostalgia. “Pedíamos aos carpinteiros que fizessem os peões e as flechas fazíamos com as varas dos guarda-chuvas”, acrescenta. A capacidade de reinventar e de ser feliz sem ter que comprar brinquedos faziam das crianças daquele lugar, futuras pessoas mais humildes, que encontram a alegria nas pequenas coisas da vida. “Nós brincávamos com qualquer coisa e qualquer coisa dava para nós brincarmos” garante o filho mais velho de Júlia.
“Não mudava nada”
Um rosto carregado de rugas resultado dos sorrisos e das dificuldades que passou, Júlia traz na alma a história de uma menina que nasceu pobre e quer morrer dessa forma: “Toda a minha vida fui pobre e não é agora que vou deixar de ser”. O receio que tem de ser rica ilustra a vida feliz que tem, ainda que as condições onde habita não sejam as melhores, prefere a pacatez da aldeia do que o barulho da cidade. “A minha mãe não se adapta aos luxos” afirma Manuel numa forma de brincadeira, mas acabando por ser realista.
Satisfeita com o pouco que tem e recusando todas as tentativas dos filhos de a mover para um espaço melhor. A idade que tem suscita algumas preocupações por parte das pessoas que lhe são queridas e que querem o seu conforto. Mas Júlia defende-se: “Sou feliz aqui neste cantinho, na cidade sinto-me presa”. Como reflexão dos 81 anos que já viveu, conclui que não mudava nada na sua vid
a, tudo o que viveu ajudou-a a ser quem hoje é. “Se pudesse trocar alguma coisa na minha vida, não trocava nada. Fui feliz e sou feliz assim. Porquê mudar as coisas?”
Nádia Santos
As marcas da Pobreza nas Ilhas e Bairros Sociais
Sendo um assunto tão vasto, tornou-se difícil definir qual seria o foco: se seria a pobreza juvenil ou infantil, se seria a mendicidade ou a situação dos novos pobres, de pessoas que outrora tinham ótimas condições de vida e, atualmente, vivem em condições completamente diferentes. Mas em locais mais afastados do movimento citadino, surgiram os locais onde se iniciaria esta investigação, as ilhas e bairros sociais. Por que não analisar a pobreza nestes locais? Geralmente, quando se tem conhecimento de situações de pobreza não falam as pessoas são afectadas directamente.
Foi por esse motivo, essencialmente que surgiu esta necessidade de dar voz aos moradores, de saber as suas histórias, de conhecer de perto pessoas que conheçam ou se encontrem em cenários de pobreza, e também perceber se acreditam que existe algum tipo de preconceito em relação a quem aí vive. Para isso, foram definidos três locais do Porto, e em cada um apareceram diferentes histórias, diferentes pontos de vista, embora alguns com traços de semelhança bem marcantes.
A todos os moradores, que partilharam memórias e pela amabilidade e generosidade que demonstraram ao ceder o seu tempo para divulgarem as suas histórias, muito obrigada. (Rayne Fernandes)
Maria de Lurdes, 71 anos, nasceu e cresceu em São Victor, onde até hoje vive. “Nasci nesta casa, eu e os meus quatro irmãos. Tive seis filhos que aqui cresceram e agora estou sozinha com a minha cadela. Estou reformada e cuido de uma senhora amiga que tem a doença de Parkinson, preparo-lhe o almoço, de resto não faço mais nada e já nem tenho idade para fazer mais nada”.
“Eu sou pobre mas não estou na pobreza”
Existem casos de pobreza na Ilha?
Maria de Lurdes diz que tem um casal vizinho que vive com dificuldades, mas não tem muito conhecimento sobre a real situação deles. “De resto aqui não sei de nenhum caso de pobreza grave. Eu sou pobre mas não estou na pobreza. Tenho os meus filhos que são a minha riqueza e vou me virando com o que tenho. Se precisar de ajuda, sei que posso contar com eles e com um irmão, que é muito meu amigo. Penso que foi um ano depois do 25 de abril, que a câmara levou algumas pessoas das ilhas para bairros. Se eu tivesse ido nessa ocasião, tendo filhos que dormiam comigo no sofá e outros que dormiam na mesma cama se calhar teria tido uma vida diferente, ou talvez não. Mas como não me calhou, consegui educar os meus filhos e agora não pretendo sair da minha casa, só quando Deus me chamar. Aqui tenho a minha sala, cozinha e casa de banho, e para mim chega. Não sou rica nem remediada, vou vivendo com o que tenho”.
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Acho que aqui não é muito escondida, até porque as pessoas vão pedir às instituições, às vezes até estragam. Já vi coisas nos contentores que eu não estragaria. Pode haver pessoas que antes tinham uma vida estável e agora têm vergonha de pedir, mas aqui na ilha não conheço. Graças a Deus, sou pobre mas não preciso de ir a nenhuma instituição pedir mas também não dou, porque como disse, já vi coisas que dão nesses sítios no lixo. Se conhecer alguém que eu saiba que não tem o que comer, eu ajudo com o pouco que tenho, mas fora isso não dou. Mesmo essas campanhas que aparecem na televisão, do Continente, dos 0,50 cêntimos que revertiam para as crianças e o resto fica para eles, não concordo com essas coisas”.
“Deus é a minha testemunha”
Olga Fernandes, nasceu e cresceu nas Fontainhas, vive em São Victor há pouco mais de dois anos. É casada, vive apenas com o marido e é mãe de dois filhos.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Não conheço muitos, até porque não estou aqui há muito tempo aqui. No meu caso, estou a pagar muito dinheiro por uma casinha pequena. Deus é a minha testemunha, pago 160 euros e não tenho como pagar esta renda. A senhoria não baixa o valor, só se interessa pelo pagamento ao fim do mês. Sou reformada por motivo de doença e é com a minha pequena reforma que pago o aluguer, senão já estaria a dormir na rua. O que resta vai direto para a medicação. Vivo com o meu marido e sobrevivemos com muita dificuldade; os meus filhos que já têm as suas vidas ajudam-me quando podem, e mesmo não podendo fazer muito esforço por causa da minha doença, e Deus sabe, eu faço alguns recados para algumas senhoras aqui da zona para receber algum dinheiro para conseguir chegar ao fim do mês. É esta a minha vida!”
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Acredito que sim, tenho aqui uma vizinha por exemplo que vive com um rendimento mínimo, e também paga uma renda elevada e depois de pagar água e luz, fica com muitas dificuldades também. Deviam dar-nos casas da Câmara, porque assim já pagávamos pouco e já conseguia viver mais desenrascada, sem precisar de fazer recados, que me custa tanto.Eu tenho esclerose óssea e tenho muita dificuldade em andar durante muito tempo, até porque há alguns anos atrás eu não andava e agora já consigo felizmente e digo que se me dessem uma casinha dessas era a maior alegria que Deus me poderia dar. “
“As pessoas são remediadas, tudo vive com o seu pouquinho”
Catarina Silva de 77 anos vive na ilha desde que nasceu. Aqui se casou, teve os seus filhos e permanece até hoje. Não se vê a viver noutro lugar.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Há de tudo um pouco, pessoas pobres e pessoas que vivem consideravelmente bem. Eu sou remediada, vou vivendo com a minha reforma e com a ajuda dos meus filhos vou me desenrascando.”
“Aqui não vejo casos de pobreza muito claros, não há riqueza, as pessoas são remediadas, tudo vive com o seu pouquinho mas vão vivendo. Ou a segurança social também ajuda especialmente nestas épocas de festa podem receber mais alguma coisinha. Tem lojas aqui perto, como a mercearia que ajuda quem precisa muito.”
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Às vezes a pobreza é mais escondida pelos que têm vergonha de pedir do que pelos que pedem.”
“Dentro de cada porta não se sabe o que se passa”
Manuel Tristonho de 49 anos tem a ilha como a sua primeira e única casa, uma vez que ali nasceu e vive até hoje.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Sei que existem situações de pobreza aqui, pessoas que têm muitas dificuldades, que não têm dinheiro para comer ou pagar as despesas mais básicas como a luz e água. Sei que a Igreja do Marquês as ajuda, a Cáritas também.”
A pobreza nas ilhas é escondida?
“É mais escondida do que se fosse, por exemplo, no centro da cidade. Acho que para se conseguir mudar isto, a pobreza em lugares como este tem de ser mais divulgada. As pessoas não têm medo, têm vergonha… dentro de cada porta não se sabe o que se passa, mas há muita miséria escondida”
“Nas ilhas há muito mais camaradagem entre as pessoas do que nos prédios”
Mário Azevedo de 61 anos vive na Ilha há 15 anos e fala sobre o espírito de entreajuda que lá aí existe.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Conheço pessoas aqui que vivem em condições de pobreza; vivem com o salário mínimo ou menos até, outras são reformadas e só recebem uns 300 euros”.
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Acho que a pobreza nas ilhas é esquecida porque as pessoas refugiam-se em casa por vergonha e muitas vezes acabam por passar muito mal. Mas viver aqui não é só cenário de pobreza ou miséria, até porque nas ilhas há muito mais camaradagem entre as pessoas do que nos prédios. Ali as pessoas entram e saem e ninguém sabe de ninguém;se sentir mal ou gritar, ninguém acode agora aqui se um grita já toda a gente está a ver o que se passa.”
“As cabeças são muito diferentes umas das outras”
Maria Carlota de 76 anos vive na Ilha há 52 anos e mora apenas com o marido e dois gatos.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Aqui ninguém é rico, mas vivem razoavelmente, vão levando a vida, dentro do possível. Eu nunca vi sinais de pobreza extrema por estes lados, não há fartura mas nunca vi ninguém nessas condições, acho que esta área não é assim tão atingida por isso, embora acredite que possa existir muita miséria escondida porque as pessoas não querem falar disso, nem passar por necessitadas.”
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Não me parece. Acho que se for escondida é porque as pessoas têm vergonha, se calhar do que vão dizer delas, não sei… As cabeças são muito diferentes umas das outras, o preconceito existe, está em tudo.”
“Quem vive aqui é quem mais precisa”
Olinda Carvalho de 65 anos vive na Ilha há 40 anos e nesse tempo já viu muitas casas serem abandonadas por causa das rendas elevadas.
Existem casos de pobreza na Ilha?
“Infelizmente há muita pobreza aqui, já vi muitas situações, por exemplo a minha. Vivo com muitas dificuldades porque recebo uma reforma de 200 euros, o que não é nada. Depois para pagar a água, luz e outras coisas o dinheiro já não chega, tenho que apertar mesmo o cinto. As rendas aqui são 150, 200 euros, variam. Eu pago 150 euros, com uma reforma de 200 euros…É muito complicado mesmo.”
A pobreza nas ilhas é escondida?
“Eu acho que a pobreza nas ilhas é mais escondida, aliás tudo o que se passa por aqui é sempre mais escondido, porque infelizmente quem vive aqui é quem mais precisa. A gente tem de viver com o que tem”.
“Às vezes também há pobreza porque as pessoas não se sabem orientar na vida”
Antónia (nome fictício) vive no Bairro há 53 anos, mora com o filho e diz que nunca pensou em sair de lá.
Existem casos de pobreza no Bairro?
“Infelizmente há muita pobreza, mas não posso dizer onde as pessoas que estão nessa situação vivem e como vivem porque não conheço muitas aqui no bairro. Eu vivo com 300 euros para mim e para o meu filho e temos de apertar muito. Mas às vezes também há pobreza porque as pessoas não se sabem orientar na vida e há outras que são pobres porque não têm mesmo recursos nenhuns.”
A pobreza nos bairros é escondida?
“Grande parte é escondida e são pessoas que vivem perto de nós e a gente nem sabe. Na semana passada, no natal, morreu um senhor aqui no bairro que vivia sozinho e que era muito pobre. Se ele fosse meu vizinho aqui, o pouquinho que eu tinha partilhava com ele. Agora aqui também ninguém liga a ninguém, é tudo gente nova, antigamente os vizinhos preocupavam-se mais uns com os outros, agora não”.
“Sou a única a trabalhar para sustentar seis pessoas”
Filomena Dias de 51 anos vive no Bairro há 11 anos com o marido e cinco filhos.
Existem casos de pobreza no Bairro?
“Não conheço nenhum caso até porque saio muito cedo de casa e chego tarde, e não tenho muito contacto com as pessoas. Infelizmente, encaixo-me num perfil de pobreza. Sou a única a trabalhar para sustentar seis pessoas; o ordenado não dá para tudo, mas vou tentando viver da melhor maneira dentro da situação em que estou. Sobrevivo também graças à ajuda das minhas irmãs,sempre que preciso de alguma coisa estão sempre lá”.
A pobreza nos bairros é escondida?
“É escondida não só nos bairros, mas em todo o lado, porque pobreza mesmo é a que não se sabe, aquelas pessoas que se escondem dentro de casa com receio e vergonha, quem pede não tem vergonha nenhuma.”
“Sei que em oito dias já não tenho mais dinheiro”
Beatriz David de 50 anos, vive no Bairro há 5 anos e é uma mãe solteira de dois filhos.
Existem casos de pobreza no Bairro?
“Não conheço situações específicas até porque não tenho muito contacto com as pessoas, só as cumprimento e por isso não sei de nada. Cada um está na sua casa, eu vivo a minha vida e só sei dela. Sei que existem milhares de cenários desses, aliás ultimamente vê-se muitas iniciativas do Banco Alimentar e outras instituições, e o número de pessoas que recorre a essas ajudas tem aumentado bastante. Posso dizer que me encaixo num perfil de pobreza, porque o meu ordenado nem chega ao salário mínimo. Recebo 450 euros todos os meses, acordo às 6 da manhã para ir trabalhar, faço 7 horas e meia.
A partir do momento em que eu recebo o meu vencimento, sei que em oito dias já não tenho mais dinheiro. Vai tudo para as despesas de casa, água,luz,renda,zon porque sou obrigada a ter Internet em casa por causa da minha filha que está a estudar e isso é uma coisa que tenho de ter e carregar passes para mim e para os que vivem comigo, e em oito dias já não tenho mais dinheiro… Eu sobrevivo assim.”
A pobreza nos bairros é escondida?
“Não acho que seja escondida até porque quem vive nestes sítios são pessoas que não têm grandes condições financeiras. Para mim o que está escondido é o preconceito que ainda existe em relação às pessoas que vivem aqui, por exemplo quando acontece alguma situação de marginalidade em que se diz que as pessoas que fizeram isso são de um bairro, ouve-se logo comentários do género –“Só podia ser do bairro”, quando isso não é verdade, existem pessoas dignas nos bairros. Pessoas boas e más existem em todo o lado, ricas ou pobres.”
Eu não faço mal a ninguém, mas será que faço o bem?
Eu não faço mal a ninguém, mas será que faço o bem?
Apesar de a pobreza se encontrar instalada na calçada portuguesa e em famílias portuguesas, a pobreza de espírito está longe dos corações dos voluntários, que de tudo fazem para ajudar o outro. Teresa Olazabal e Maria Magalhães são o exemplo de um coração aberto com uma mão sempre estendida e pronta a ajudar. Atualmente vive-se um período em que a crise se encontra instalada entre nós, com a pobreza a aumentar. Segundo um inquérito lançado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), um em cada cinco portugueses é pobre. Os níveis de pobreza e exclusão social voltaram a ser os mesmos que em 2003 e 2004, isto é dois milhões de portugueses passam pelas mais variadas carências. Passou a haver um maior risco de exclusão social; a taxa de privação material cresceu; a distribuição de rendimentos agravou-se e as mulheres e as crianças acabam por ser os grupos mais afectados. A taxa de risco de pobreza passou para 19,5%. Quem é pobre está ainda a um grande passo de o deixar de ser. Todavia, apesar destes níveis terem aumentado e de haver um maior número de pessoas carenciadas, o número de pessoas a quererem ajudar também aumentou. Teresa Olazabal e Maria Magalhães são dois exemplos, de gerações completamente diferentes, de que ajudar o outro é preciso, é fácil e muito gratificante. Para Teresa tudo começou depois de uma operação de alto risco que sofreu ao útero e aos ovários, “na altura tinha 49 anos, a operação foi bastante complicada e os médicos não sabiam se iria ou não sobreviver”. Passado a recuperação Teresa sentiu que queria mudar a sua vida e foi aí que se questionou, “eu não faço mal a ninguém, mas será que faço bem?”. Quando entendeu que também não fazia bem a ninguém, quis deixar a sua vida antes da operação e dedicar-se ao voluntariado, “tinha uma vida muito fácil, muito fútil e resolvi trocar a minha vida profissional pela vida do voluntariado. Só foi possível porque o meu marido assegurou totalmente as despesas da casa”. Foi esta pergunta que fez com que a vida de Teresa Olazabal desse uma volta de 180º, deixando a sua vida profissional para trás para se tornar numa voluntária a tempo inteiro. A sua primeira experiência como voluntária passou pelo trabalho com pessoas com deficiências profundas, de seguida juntou-se aos cuidados paliativos no IPO e por fim, juntou-se ainda ao voluntariado com os sem-abrigo (S.A), considerando esta última uma grande escola da vida. Atualmente Teresa dedica-se aos sem-abrigo, acolhendo-os e abraçando-os da melhor maneira que sabe, “é com o coração que conseguimos chegar-lhes. Temos de os tratar da mesma maneira, para eles ganharem a nossa confiança e começarem a abrirem-se connosco”. A primeira quarta-feira de cada mês, no largo da Igreja da Trindade, Teresa junta-se com mais voluntários para distribuir alimentação a todos os sem-abrigo que ali estão, “há gente que tem muito pouco e muita fome”.Para além de alimentos e mais alguns bens essências, o objectivo de Teresa e dos restantes voluntários é de perceber quais são as maiores dificuldades por que estes passam e tentar ao máximo rouba-los daquelas ruas escuras, frias, por vezes molhadas, solitárias e vazias. Depois da troca de refeições, todos os voluntários falam com alguns sem-abrigo e tentam arranjar-lhes um emprego, um quarto numa pensão e cada um ajuda da melhor maneira que consegue. Toda esta logística é organizada e preparada na garagem de sua casa juntamente com alguns voluntários. Para a sua pequena organização continuar a colher frutos, Teresa conta com a ajuda de todos os géneros, desde pastelarias e confeitarias até mesmo a ajuda económica de amigos.
Esta considera que, “tem havido uma resposta muito positiva por parte da comunidade civil para ajudar as pessoas que têm necessidades”. Apesar de a crise continuar instalada nas nossas ruas e de haver muitas pessoas a precisarem, o nível de ajuda também tem aumentado. Segundo Teresa, “a necessidade de ajuda tem aumentado, mas também acho que há cada vez mais grupos a ajudar”. “Sinto-me a ser ajudada, essencialmente ajudada”. Para esta voluntária o retorno de toda a sua ajuda é tão gratificante que se torna melhor do que qualquer ordenado, “eu ganho um ordenado que nenhum outro me pode pagar. Um ordenado que me dá paz interior, alegria e felicidade”. O conceito ajudar tornou-se um ritual bem presente na vida de Teresa, deixando para trás qualquer futilidade que outrora teve, “já não precisava daquelas futilidades, de todas as saias, de todos os sapatos, tudo isso já não importava”. Já passaram mais de 20 anos em que Teresa se dedicou totalmente ao voluntariado. Atualmente tem 72 anos e é uma referência no apoio aos semabrigo.
Maria Magalhães, tem 24 anos, é mãe e sempre que tem tempo ajuda quem mais precisa. Para esta jovem, foi em 2013 que tudo começou, quando integrou no projecto Grão. Este projecto tem como objetivo dar formação a jovens, prepara-los para lidarem com pessoas carenciadas e mais tarde poderem ir fazer voluntariado, durante dois meses, para vários locais em África. A formação, de um ano, passa por vários pontos fundamentais como, angariação de fundos, exercícios espirituais, entre outros, preparando-os para uma grande diferença de realidades. Uma das exigências do projecto é que todos os formandos façam voluntariado em Portugal antes de irem para África, para perceberem que a pobreza também se encontra entranhada como um cancro nas suas ruas, em casas de famílias portuguesas e no seu próprio país. Antes de ir para Moçambique Maria fez voluntariado na instituição CASA, no Porto. De acordo com Maria, “CASA, em primeiro lugar é o que as pessoas que ajudamos não têm e depois a instituição conseguiu encaixar na perfeição a sigla: Centro de Apoio ao Sem-Abrigo = CASA”
A instituição Casa dá apoio ao sem-abrigo, tanto a nível alimentar como psicológico; “damos uma refeição quente todos os dias e para além desta pequena ajuda tentamos ainda dar um apoio psicológico. Claro que há sempre aqueles que não querem e rejeitam, querendo só mesmo a refeição.” “Eu e todos os outros voluntários estamos encarregues de ir a pastelarias perguntar se não querem fazer uma parceria connosco e também participamos na recolha de alimentos em alguns supermercados. Sei ainda que a instituição conta com o apoio monetário de algumas empresas que fazem alguns donativos de quando a quando”. A jovem fez parte da equipa de voluntariado CASA cerca de meio ano, “enquanto lá estive o número de voluntários estava sempre a aumentar, porém o número de pessoas que apoiávamos, infelizmente, também estava constantemente a aumentar”. Foi em Junho de 2013 que Maria entrou no avião e aterrou em Moçambique “uma viagem inesquecível, de uma entrega total. Nós é que estamos lá a dar, mas nós é que recebemos o triplo. Sentimo-nos tão bem, mas tão bem”.
Durante os dois meses que lá esteve a jovem só podia entrar em contacto com a família uma vez por semana, tendo sempre como seu apoio emocional os outros cinco voluntários que também embarcaram nesta viagem ao seu lado, “ao todo eramos seis e cada um tinha a sua tarefa. Eu fiquei como responsável pelo orfanato que lá havia, tive de dar aulas de educação sexual, português e inglês”. Depois da grande experiência e aventura que a jovem viveu em Moçambique regressou a Portugal onde continuou a fazer voluntariado na CASA. Hoje em dia não faz o voluntariado que desejaria fazer, pois é mãe de uma menina de um ano e meio e o tempo é muito escasso “adorava ter tempo para voltar a ir diariamente para a rua com a CASA, mas tenho uma filha e um trabalho que me consomem muito tempo. Um dos meus grandes sonhos é um dia, quando a minha filha for mais velha, poder leva-la a Moçambique, mostrar-lhe o trabalho que lá desenvolvi e que o Grão continua a desenvolver. Desde pequenina que lhe quero incutir o valor de ajudar o outro, acho fundamental”. Apesar de Portugal e os portugueses estarem a passar um momento complicado onde existe muita pobreza, verificamos que a pobreza de espirito está longe do coração de alguns portugueses, que dedicam o seu tempo ou o pouco que sobra dele para ajudarem o vizinho, os doentes ou os sem-abrigo.
Inês Magalhães
A vida por um fio
Retrato de um Doente Renal Crónico Português
A vida por um fio
Retrato de um Doente Renal Crónico Português
Fernando Manuel tem 48 anos. É doente renal crónico há quase uma década. O problema foi diagnosticado em 2006, quando uma série de ataques de hipertensão levaram Fernando às urgências do Hospital de Santo António, na cidade do Porto. Após um conjunto rigoroso de análises, a equipa médica concluiu o diagnóstico menos favorável: os seus rins estavam a degradar-se. Aconselharam-no a alterar o seu estilo de vida. Deixou de fumar, e de beber álcool. O destino era inevitável e, oito anos depois, os rins deixaram de funcionar. Desde fevereiro de 2015 que depende de uma máquina para sobreviver.
Três vezes por semana - às segundas, quarta e sextas - pouco depois das quatro da tarde, um bombeiro voluntário toca-lhe à campainha de sua casa, na vila de Arrifana, freguesia de Santa Maria da Feira. Está na hora de viajar alguns quilómetros até ao centro de hemodiálise mais próximo. O CentroDial , em São João da Madeira, é uma instituição de saúde privada dedicada ao tratamento de doentes em fase terminal da doença renal.
As próximas quatro horas e meia serão passadas sentado num cadeirão azul pouco confortável, com uma grossa agulha espetada no braço. Isto porque o sangue de Fernando necessita de ser tratado. Há que remover todas as impurezas – um trabalho outrora atribúido ao rim. Para isso é necessária paciência e muita força de vontade. A enfermeira espeta-lhe a agulha muito calmamente. Na sua face nem a mínima expressão de dor. Já está mais do que habituado àquela sensação. Em 11 meses, fez mais de 120 sessões de hemodiálise.
Fernando sabe que será difícil voltar a exercer a profissão que teve durante duas décadas: mecânico de automóveis. “A fístula que tenho no braço não me permite fazer esforços. Se for preciso fazer uma revisão a um carro, ou trocar-lhe um pneu, ela pode romper,” diz.
Aos pacientes em hemodialise é requerida a elaboração de uma fístula. Trata-se de uma junção de dois vasos sanguíneos, seja no braço ou no pulso, criando uma artéria maior e mais resistente. Ao longo dos anos, e com o número de sessões, esta aumenta de volume.
Aurélio Costa faz diálise na cadeira ao lado de Fernando Manuel. Tem 42 anos, mas desde adolescente que está preso à vida por aquela máquina. E a sua fístula já leva vários centímetros de diâmetro, o que faz com que o seu braço pareça deformado, e pouco saudável. Assim como Fernando, não está apto para ser transplantado. Trabalha como contabilista num escritório da cidade. É um trabalho onde o esforço físico é limitado. Por isso, o risco de romper a sua fístula é menor.
Já Fernando tem o sexto ano de escolaridade, e não sabe outra arte senão a mecânica dos automóveis. Está desempregado há mais de um ano. Por mês recebe 325 euros, o equivalente ao subsídio de desemprego. Em breve esse vencimento monetário será cortado. Apesar de o sistema nacional de saúde lhe atribuir uma incapacitação de 82 %, continuam a negar-lhe o subsídio de invalidez.
A mulher, Cristina Martins, 47, é proprietária de um cabeleireiro no centro de São João da Madeira há quase 30 anos. Os tempos dourados da profissão já passaram, e o que ganha mal chega para manter o estabelecimento a funcionar. “Os muitos clientes que tinha foram desaparecendo ao longo dos anos,” revela.
Cristina tem esperança que o marido possa ser transplantado, e receba um rim saudável. Compreende também que se trata de um cenário improvável. É que, a aliar à doença renal da qual padece, Fernando tem um sistema imunitário ineficaz. Os médicos dizem que o seu nível de anticorpos no sangue é reduzido. A rejeição do novo órgão seria quase certa.
Em 2014, o rendimento líquido de Fernando e Cristina não chegou aos 6000 euros. Amealharam pouco mais de 500 por mês. E, em Portugal, um ser humano é considerado pobre se o seu agregado familiar recolher menos de 411 euros mensais. O que significa que, na sociedade portuguesa, se uma pessoa ganhar 412 euros, não é considerada pobre. É um facto causa alguma incompreensão a Sandra Araújo, diretora executiva da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) Portugal, uma organização sem fins lucrativos, que atua na ajuda contra a pobreza e a exclusão social. “É uma linha de pobreza que se baseia apenas ao nível do dinheiro que a pessoa ganha ao fim do mês,” conta Sandra a Cristina Vieira, da Universidade Aberta, numa entrevista em 2015.
A linha de Pobreza Monetária, elaborada pelo EuroStat, foca-se apenas nos rendimentos do cidadão. Só que a concetualização de pobreza também atua em outros níveis. Relaciona-se, de igual forma, com a qualidade de participação do indivíduo na vida em sociedade, e com a sua qualidade de vida. “A pessoa também se encontra privada de aceder a um conjunto de bens e serviços sociais e culturais,” diz Sandra.
O cenário poderia ser mais sombrio se o estado não financiasse o tratamento de Fernando Manuel. Em media, o estado português gasta 290 milhões de euros por ano com os insuficientes renais. Atualmente, são cerca de 10 mil a efetuar hemodiálise em Portugal, o que corresponde a uma despesa de 5,6 milhões de euros por semana. Valores substanciais, mas do qual dependem inúmeras vidas.
Fernando está preocupado com o futuro. A subsistência do casal depende do estado de saúde de ambos. A mulher será operada à coluna em breve, e terá de parar alguns dias. “ Ela não tem empregados no seu salão,” diz Fernando. “Irá ter de fechar o estabelecimento, e não terá qualquer rendimento durante esse período de tempo.” É algo que lhe causa preocupação.
“Espero viver o maior número de anos que conseguir, com qualidade de vida,” confessa, enquanto a enfermeira lhe retira a agulha. Está terminado mais um tratamento. Resta esperar pela homeostasia. Ou seja, a ferida tem que vedar para que o braço não sangre mais tarde.
A noite já vai longa e fria quando Fernando entra na ambulância para regressar a casa. Pode ser pobre em saúde e em dinheiro, mas consigo carrega a certeza que, dentro daquele local, está seguro por mais um dia. “Ao menos aqui, se me der um ataque cardíaco, podem fazer alguma coisa logo,” diz, aliviado. É um dos principais perigos do tratamento. Os elevados níveis de potássio no sangue – dos quais os rins são incapazes de remover – podem fazer com que o coração do doente pare subitamente. “Se morrer, morri. Não posso fazer grande coisa.” Mas na sua face repleta de resignação também se encontra um resquício de resiliência, e perseverança. “O que me importa é continuar a continuar a comer e beber como sempre fiz.”
Uma porta solidária que se abre para uma nova vida
A Porta Solidária ajuda, todos os dias, de segunda a sexta, cerca de 200 pessoas. Uma dessas pessoas é Paulinho, que mesmo com todos os problemas que vêm de mão dada com a pobreza, lutou durante vários anos, estando agora a conseguir concretizar um dos seus maiores sonhos: ser carpinteiro.
Ao longo dos anos é cada vez mais fácil vindo cada vez comum existirem situações de pobreza extrema no nosso país, o que se reflete na alimentação de vários cidadãos. Todos os dias, milhares de pessoas passam fome e é aí que surge instituições como a Porta Solidária, situada no Porto, para tentar amenizar essa situação. Esta recebe diariamente sopa cedida pelo Hospital Santa Maria e pelo Externato Perpétuo Socorro, localizados também no Porto. Os primeiros passos desta instituição foram dados em 2009, servindo apenas 40 refeições por dia, hoje em dia, esta associação serve refeições a cerca que 200 pessoas, desde crianças a idosos, desde pessoas que um dia tiveram tudo até as que nasceram sem nada.
Estas refeições são servidas por voluntários sensibilizados a esta causa, que dispensam duas horas dos seus dias para ajudar os outros. O serviço de voluntariado surge por parte das pessoas que gostam de abraçar este tipo de causas ou por pessoas que vão cumprir horas de serviço comunitário (multas por excesso de álcool e velocidade e pequenos crimes, como furtos e agressões) acabando várias vezes por se apaixonarem e continuam a batalhar nesta causa sem qualquer tipo de obrigação.
A ajuda começa de segunda a sexta, das 18:00 horas até às 20:00 horas. Vários trabalhos podem ser feitos nesse tempo. Os voluntários dividem tarefas e alguns prepararam as duas mesas de refeições, outros os chamados “kit de sobrevivência” (saco que contém pão, iogurte ou sumo e uma peça de fruta, que levam à saída), outros os tabuleiros onde são servidas as sopas e é colocado um pão e um bolo. Um maior número de pessoas fica na cozinha, onde lava a louça e prepara as coisas para no dia seguinte estar tudo apto para dar continuidade ao trabalho. Ana Couto, de 22 anos é voluntária desde Abril.
Embora não compareça diariamente e apenas possa comparecer cerca de quatro vezes por mês, garante que a parte mais emocionante destas duas horas é quando eles se sentam à mesa e conversam: “penso que eles ali eles se sentem como família, riem, discutem, sentem que estão em pé de igualdade com todos que estão ali presentes. E a verdade é que embora não o sintam, estão mesmo.” Em relação ao serviço que esta jovem prestar também não deixa espaço para muitas dúvidas. Os “kits de sobrevivência” acompanham todos os dias estas pessoas na hora da saída. Ana Couto refere que “ a emoção nos olhos das pessoas é indescritível, embora a preocupação também. Muitas daquelas pessoas limitaram-se a comer o que vai naquele saco no dia seguinte. A maior preocupação é também com as pessoas mais pequenas e com os mais idosos”.
Este circunstancialismo faz com que a porta desta instituição acolha diversos tipos de pessoas, todas elas carenciadas ou em estado de necessidade, oriundas de estratos sociais e culturais distintos. Isto comprova-se pelos adolescentes de mochila as costas, famílias com crianças de colo, sem abrigo, toxicodependentes que fazem fila com receio que não exista a refeição que, para alguns, pode ser a primeira refeição do dia.
Depois de ser garantida a refeição e de terem o seu prato de sopa, procuram um lugar na mesa, onde alguns já procuram sentar-se ao lado das companhias habituais onde acabam por surgir verdadeiros laços de amizade. Os responsáveis, pedem atenciosamente, a quem ainda não conhece o sistema e está acompanhado por crianças, que se dirijam a outra mesa, onde só as mães as podem acompanhar. Uma consequência das confusões que existem à mesa surge quando há ideias diferentes, ou quando sentem que de alguma forma o seu lugar pode ser “ameaçado”.
Esta instituição é também portadora dum gabinete de enfermagem que funciona duas vezes por semana, onde o voluntariado é feito por alunos da Universidade Católica do Porto.
Natal Solidário
O Natal na porta solidária acontece duas vezes por ano, uma de dia 24 que serve uma refeição completa de bacalhau e legumes a 120 pessoas, através de inscrição, que se encontram sozinhas na referida noite. No dia 27, com o intuito de demonstrar União e espírito de famílias, recebe 400 pessoas a quem, cerca de 50 voluntários servem uma refeição quente e farta com direito a vinho do Porto e uma prenda de bens essenciais para os meses seguintes. Tudo se torna possível com a generosa contribuição em géneros alimentares pelos voluntários.
Francisco Duarte, tem 36 anos, é ex piloto da TAP e é um dos voluntários que abraça esta causa. Fez durante vários anos parte da organização deste projeto, tratando hoje em dia da recolha de alimentos (feitas através de ações em hipermercados) e de roupa para estes utentes. Francisco voluntaria-se em Setembro de 2011 argumentando que “a falta dos outros pode estar nos nossos excessos”. Este ex piloto, para além de ser voluntário na Porta Solidária, há dois anos atrás sensibilizou-se com um utente que ia com frequência comer aquela refeição. Para além disso, Paulinho, como gosta de ser conhecido, arruma carros diariamente numa rua do Porto.
Sem documentos, com o irmão alcoólico a arranjar conflitos e a cometer pequenos delitos na mesma zona, este jovem de 38 anos estava cheio de vontade de mudar de vida. Caiu nas ruas da invicta ainda muito jovens com o falecimento dos seus pais num acidente de automóvel. Francisco não ficou indiferente a esta história e durante dias, dirigiu-se à segurança social para que este pudesse ser reconhecido perante o Estado e a sociedade. Passado pouco tempo de este estar a ser ajudado, o seu irmão, Domingos, que sempre negou ajuda, foi preso. O desespero de Paulinho foi notório: “pensei que ia acabar como ele. Não tinha para onde ir, era meu irmão e eu ia acabar sozinho”. Ao contrário do que idealizou, arranjaram-lhe um curso de carpintaria que, se tudo correr bem, finaliza daqui a uns meses: “era um sonho que eu tinha, adorava trabalhar em carpintaria. Tenho tido boas notas, e o Sr. Francisco sempre que pode dá-me explicações de Português e de Matemática.” Francisco tem orgulho neste que começou por ser utente e hoje em dia é considerado um amigo: “ ele inicialmente não tinha nada, nem documentos, nem amor próprio. Aos poucos conseguimos endireitar-lhe a vida, com o subsídio de Rendimento Social de Inserção (recebe cerca de 178€) e com algum apoio por parte de amigos meus também, e claro com o seu trabalho noturno de arrumar carros. É daí que paga a pensão, os transportes e o tabaco, que é o seu único vício.” Paulo hoje sente-se completamente agradecido e diz que se pudesse passava uma mensagem a todas as pessoas que pensam diariamente desistir da vida: “há sempre um dia melhor para nós amanhã, não podemos desistir nunca. O meu irmão desistiu, muito dos meus colegas de rua desistiram. Há muitos anos atrás eu nunca imaginei estar a fazer aquilo que mais gosto, portanto não desistam. Nunca se sabem quando entra uma pessoa incrível na vossa vida como entrou na minha. Um amigo a sério. Não desistam porque deve haver muitos Franciscos e Franciscas por aí (risos).”
Uma história que deve ter tomada como exemplo, que comprova existe sempre espaço para a mudança e que se deve lutar sempre. A ajuda do Estado e das pessoas é fundamental para que, milhões de pessoas que sofrem de falta de condições e habitam na rua, consigam encontrar um rumo.
Desporto vs Pobreza
Um combate que não tem fim
DESPORTO VS POBREZA
Um combate que não tem fimArena de Matosinhos é um local onde decorrem vários combates e um deles é o combate à pobreza. Mendigos, arrumadores de carros, pessoas que necessitam de tratamento médico, estas são algumas razões que levam os atletas e funcionários da Arena de Matosinhos a lutarem por uma vida melhor.
Ao longo de todo o ano a Arena de Matosinhos, um ginásio onde se praticam desportos de combate, é o local onde muitas pessoas procuram ajuda e encontram. Fernanda Moreira, funcionária deste ginásio, contou como funcionam as campanhas de solidariedade e também como surgiram.
Fernanda Moreira explica que muitas são as pessoas que encontra em Matosinhos com sérias dificuldades económicas ou até mesmo a viverem na rua, e por isso, lançou uma campanha de solidariedade, entre atletas e familiares, com fim a angariar alimentos, roupa e dinheiro para poder distribuir pelas pessoas mais necessitadas. Com esta primeira campanha muitas mais se seguiram.
Todos os anos, ao longo de todo o ano são feitas angariações, inclusive no Natal, e 2015 não foi exceção. Fernanda contou que foram realizadas galas de beneficência que tinham como propósito obter fundos para pessoas com mobilidade reduzida, que necessitavam de tratamento médico mas não tinham meios financeiros para o fazer. “Vários atletas de renome juntaram-se e fizeram uma gala de beneficência para ajudar um senhor que precisava, naquela altura, de juntar dinheiro para uma possível viagem a um país estrangeiro por causa de um problema de saúde que ele tinha. Nessa gala a bilheteira reverteu a favor desse senhor, e foi entregue à sua esposa em cima do ringue.” O dinheiro revertido foi suficiente para pagar a viagem e todo o tratamento.
Segundo Fernanda Moreira esta foi apenas umas das muitas galas que se realizaram com o objetivo de ajudar alguém que se encontra com graves problemas de saúde e que não tem possibilidades financeiras de recorrer a um tratamento.
Nestas galas para além do lucro da bilheteira são feitos donativos por parte de atletas, familiares e amigos dos mesmos, e também adeptos destes desportos.
Todos os dias Fernanda lida com mendigos e arrumadores de carros que passam na rua Brito e Cunha, onde se situa a Arena de Matosinhos. Estes dirigem-se até ela para obter alimentos, roupa e tomar banho nos balneários do ginásio. Fernanda Moreira mencionou que grande parte destas pessoas têm problemas relacionados com álcool e drogas, mas felizmente já conseguiu ajudar muitos dirigindo-os a hospitais e a partir daí foram encaminhados para clínicas de reabilitação, onde hoje se encontram a fazer tratamentos.
Um dos casos mais recentes que nos contou é de um senhor que encontrou na rua a arrumar carros.
“Quando vi o senhor fui até ele e perguntei se ele precisava de alguma coisa. Ele começou logo a chorar, porque não estava à espera que alguém que não o conhece parasse para perguntar se precisava de alguma coisa. Na altura a única coisa que ele queria era tomar um banho e precisava de trabalho. O banho foi dado logo no mesmo dia porque eu trouxe-o à Arena de Matosinhos, e a partir daí ficou a conhecer o meu marido que dá aulas de kickboxing na arena e que também tem uma serrilharia onde precisava de um funcionário e demos-lhe trabalho.”Este senhor tinha sido despedido recentemente e passou por um processo de divórcio acabando a morar na rua.
Este é apenas um de muitos casos que passam por este espaço, mas sem dúvida um dos que teve melhor desfecho. Para além de todas as angariações que ajuda a despertar, Fernanda Moreira faz questão de acompanhar de perto os sem-abrigo que têm problemas de saúde mais graves. Acompanha-os ao hospital, fica encarregue de levantar os medicamentos receitados e faz questão de que essas pessoas, à hora certa, venham tomar a medicação à Arena, para assim se poder certificar de que cumprem as ordens do médico.
Alertou ainda para o facto de não serem apenas as pessoas que, por algum motivo, deixaram de ter um teto que se encontram em situação de pobreza, são muitas as famílias que por ali passam à procura de roupa, material escolar, alimentos e até emprego.
Na época de Natal é sempre feita uma divulgação através da página de Facebook da Arena de Matosinhos, através da qual são angariados cabazes de alimentos e roupas para famílias e pessoas carenciadas. Depois a Arena de Matosinhos em parceria com o restaurante Taberna da Boémia, também em Matosinhos, realiza uma ceia de Natal onde são convidadas todas as pessoas que ao longo do ano contam com a ajuda dada pelas pessoas que frequentam o ginásio e todas as que se encontram na mesma situação de pobreza e que queiram desfrutar da ceia.
Uma das questões que Fernanda gostou de referir é que a hipocrisia não reside naquele ginásio e, por isso, não são realizadas campanhas de solidariedade apenas no Natal, mas sim durante todo o ano e para todo aquele que precisa.
É com orgulho que diz que este tipo de causas não passa ao lado dos desportos de combate, e que os atletas, profissionais ou amadores, não são imunes a este tipo de problemas. “Os atletas ficam sempre muito felizes por poderem participar e ajudar nestas causas, quer seja através de galas ou de donativos. Muitas vezes as pessoas pensam que os desportos de combate não ligam a estas situações e é mentira, porque estas pessoas que fazem este tipo de desporto estão sempre abertas a ajudar todo aquele que precisa.”
História
A Conferência de São Vicente de Paulo (C.S.V.P.) é um movimento católico fundado a 23 de abril de 1833 por Frederico Ozanam. Esta organização católica é composta por voluntários que oferecem uma ajuda pessoal a todos aqueles com necessidades. A interação direta e individual com essas pessoas, bem como as suas famílias é a base do trabalho desenvolvido por esta associação, independentemente das origens ou das crenças.
No mundo existem 51 mil Conferências com mais de 700 mil membros que são apoiadas por mais de 1 milhão e 500 mil voluntários, nos 140 países onde a C.S.V.P. está presente. Geralmente, as Conferências estão ligadas a paróquias católicas e fazem encontros frequentes para organizar e discutir o seu trabalho junto dos pobres da sua comunidade local.
Desde ofertas de roupa, livros, medicamentos, ajuda na procura de empregos e internamentos, visitas a lares, hospitais e cadeias, a ação vicentina procura ser a resposta, mais ou menos, imediata para cada situação de sofrimento ou de pobreza.
A ação vicentina preocupa-se com a promoção do homem na sociedade através de um sentimento de afeto e respeito pela dignidade de cada pessoa, da oferta de amor, da compreensão e recetividade a uma confidência ou a um desabafo, um conselho com uma palavra amiga, um olhar carinhoso, motivos de fé e de esperança.
Conselho Geral C.S.V.P
O Conselho Geral é a mais alta instância ao nível internacional. Os seus escritórios estão situados em Paris, desde a sua fundação em 1833. A sua missão consiste em apoiar o trabalho das Conferências no mundo inteiro. O Conselho Geral é a ligação entre os países pobres e os países ricos onde a C.S.V.P. está presente. Como organismo administrativo mais elevado é responsável pela agregação de novas Conferências de todo o mundo. Os seus dirigentes são voluntários que são apoiados por uma pequena equipa de assalariados de dez pessoas.
Frederico Ozanam
- Nasceu em 1813, em Milão.
- A intenção de realizar uma associação de beneficência para a assistência dos pobres levou à fundação, juntamente com seis companheiros, das Conferências de São Vicente de Paulo em 1833, à qual se dedicou daí por diante.
- Frederico Ozanam morreu em 1853, em Marselha.
- Em 1997 foi beatificado por João Paulo II.
S. Vicente de Paulo
- São Vicente de Paulo foi um sacerdote católico francês que distribuía as esmolas pelos pobres e fazia visitas aos enfermos no hospital.
- Criador de muitas obras de amor e caridade foi um pai dos pobres e um reformador do clero.
- As Conferências Vicentinas, fundadas por Frederico Ozanam, em 23 de abril de 1833, foram inspiradas por ele.
- Espalhadas no mundo inteiro, vivem permanentemente de seus exemplos e ensinamentos.
- Faleceu em 27 de setembro de 1660. E foi canonizado pelo Papa Clemente XII em 16 de junho de 1737.
No mundo
1833 - 1ª Conferência em Paris
1842 - A C.S.V.P. nasce em Itália
1843 - A C.S.V.P. entra na Bélgica, Escócia e Irlanda
1844 - A C.S.V.P. entra na Inglaterra
1845 - A C.S.V.P. chega aos E.U.A. e México
1846 - A C.S.V.P. chega à Alemanha, Holanda, Suécia e Turquia
1847 - A C.S.V.P. entra na Suíça e Canadá
1850 - A C.S.V.P. entra na Áustria e Espanha
2012 – Entra como Organização Não Governamental na ONU.
Em Portugal
A C.S.V.P chega a Portugal em 1859 através do Padre Sena de Freitas, Padre Mie e Conde de Aljezur e funda-se na cidade de Lisboa. Ao longo de vários anos nasceram várias Conferências pelo país. Presente em todas as dioceses de Portugal, contando um total de 1 100 conferências e 13 mil Vicentinos, a C.S.V.P dá apoio regular a 20 mil famílias. Em 2014, Portugal tinha uma taxa de intensidade de pobreza nos 29%. Este valor não deixa esta organização indiferente, o que faz com que atue com mais incidência e relevância na vida das pessoas.
Em Seixezelo
Com apenas 1,61 km² de área e pouco mais de mil habitantes, Seixezelo, no concelho de Vila Nova de Gaia, fundou a C.S.V.P a 14 de novembro de 1950. Alfredo Baptista, António de Oliveira, António Tavares, António Vieira, Augusto Santos, Jacinto Fernandes, José de Sousa Pereira, José dos Santos Rocha, José Rocha, Manuel de Oliveira Baptista, Manuel Dias e Sérgio dos Santos foram os fundadores da Conferência que conta com 65 anos de existência.
Seixezelo é a freguesia mais pequena do concelho de Vila Nova de Gaia e maior parte da sua população é idosa o que faz com que a Conferência tenha um papel mais ativo. Atualmente, a C.S.V.P de Seixezelo conta com onze membros que dão assistência aos pobres e aos doentes da freguesia.
Os habitantes da freguesia, maioritariamente os vicentinos contribuem com bens essenciais, medicamentos e dinheiro que depois é distribuído pelos mais carenciados. Em 2015, foram ajudadas oito famílias, número que varia de ano para ano, mediante os recursos da Conferência e os casos que surgem. A identidade das famílias ajudadas não é publicamente divulgada na comunidade por uma questão de discrição. Quem precisa pede ajuda, mas muitas vezes a iniciativa parte da Conferência local.
Em Seixezelo, a C.S.V.P. reúne-se uma vez por mês para atualizar a situação social da freguesia e encontrar os meios para combater os problemas que surgem.
Esta associação está de portas abertas para ajudar quem mais precisa e para receber quem quiser ajudar.
Maria Ferreira

Sopa dos Pobres, a sopa solidária de Espinho
Sopa dos Pobres, a sopa solidária de Espinho
Uma iniciativa com mais de 20 anos que ajuda a amenizar a fome em Espinho
Confusão, barulho e cheiro a comida. É esta a ambiência que se constata, ao longo de toda a escadaria até ao piso de baixo do Centro Paroquial de Espinho.
Começando por se tratar de uma iniciativa dirigida a crianças desfavorecidas, em que professores primários aposentados serviam uma refeição por dia a quem necessitava de ajuda, a atividade continuou, mais tarde, com a ajuda de jovens entre os 18 e 19 anos. Estes jovens envolveram-se, inicialmente, como uma preparação para a realização do Crisma, mas nunca quiseram parar, José Reis, diácono e responsável pela atividade hoje denominada Sopa dos Pobres, confirma que “a partir de aqui estes jovens começaram a preocupar-se com os sem-abrigo e decidiram oferecer-lhes uma sopa. A partir daí já lá vão mais de 18 anos.”
Tudo começou com um total de 30 pessoas carenciadas, mas ao longo dos anos esse valor foi aumentando gradualmente. Primeiramente serviam à sexta-feira, depois à segunda, quarta e sexta-feira e, atualmente há refeições todos os dias da semana.
As mesas para o jantar estão prontas, mas é na cozinha que a confusão se instala. Preparada com tudo o que é necessário para a confeção dos alimentos, a cozinha do Centro Paroquial é palco de várias discussões e decisões para que nada falhe. Servindo refeições a 90 pessoas todas as noites, é essencial a ajuda de várias pessoas e, de acordo com José Reis hoje podem contar com 100 voluntários divididos por vários setores, sejam jovens solidários ou pelas conferências vicentinas.
Juliana Barros, jovem voluntária, participa há cinco anos “por uma iniciativa da disciplina de Área de Projeto quando frequentava o 12º ano. Eu decidi continuar porque, uma vez, um senhor tocou-me, agarrou-me na mão e pediu-me que lhe enchesse mais o prato, prometendo-me que não ia estragar, que ia comer tudo porque tinha muita fome.” Juliana alerta ainda para a importância da iniciativa, pois sabe que “para muitos deles esta é a única refeição que fazem”, sentindo-se “bastante bem ao participar, contente por fazer algo de útil” no seu dia. “Não dá para descrever porque sinto-me mesmo feliz por ajudar quem mais precisa” refere a jovem voluntária.
Juliana acrescenta ainda que “cada vez mais assistimos a um maio número de pobreza no país e que senão forem iniciativas como estas há por aí muita gente a passar fome”.
Visivelmente atarefados, os voluntários concentram-se nas suas respetivas tarefas. Entre o corte dos alimentos, a separação das sobremesas e a lavagem da loiça, muitos sorrisos são trocados, assim como a entreajuda.
D. Fernanda Santos como é conhecida, confessa que participa “com grande interesse” e recorda como cá chegou, “eu participo há seis anos, fui convidada por uma colega minha e a partir daí comecei a participar porque sinto-me bem e saio sempre enriquecida porque sei que vai ser útil aos outros.” Entregando-se à causa, D. Fernanda afirma, “procuro fazer o meu melhor e dou-me totalmente com muita alegria e satisfação.”
Numa altura em que Portugal atravessa uma grave crise financeira e as dificuldades chegam a grande parte das famílias portuguesas, são os mais carenciados aqueles que mais sofrem.
A existência de iniciativas como esta revela-se essencial na diminuição da fome sentida, o que a Sopa dos Pobres tem conseguido na localidade de Espinho.
Lisandra Valquaresma
NÓS Entre Iguais
Foi no passado dia 16 de Dezembro que o projeto de voluntariado <NÓS> invadiu a Universidade Lusófona do Porto. Este coletivo de pessoas que doa o seu tempo às causas urgentes da comunidade e da humanidade apresentou e abordou ao longo das diversas sessões o objetivo <entre iguais>.
Criado e dinamizado pelo Serviço de Psicologia da Universidade Lusófona do Porto (SPULP), este projeto, ainda que recente, detêm inúmeras ideias criativas para a intervenção e mobilização da comunidade. A ideia desta organização surgiu com os membros da direção do departamento do serviço de psicologia da ULP e, a ele, novos voluntários começaram a dar a cara por uma causa tão nobre. Desde alunos, professores, ex-alunos, membros da comunidade, entre outros, - variadíssimas vozes que se quiseram fazer ouvir neste projeto.
“(...) É um projeto gratificante. Existem sempre novos desafios e novas aprendizagens. Passamos a ser um agente de mudança (...)”, afirma Manuela Rebocho, aluna e também voluntária do <NÓS entre iguais>.
Foi com o início de mais um ano letivo, a Outubro de 2015, que o departamento de psicologia passou para a prática esta ideia que à tanto imaginava e sonhava realizar. Hoje, passados três meses, já vêem alguns feitos a ser contados.
A pobreza é uma das principais preocupações desta organização, na verdade, este termo, que tão relativo se pode tornar é o que faz com que esta associação de voluntários lute, diariamente, pelo amanhã melhor de qualquer um daqueles que enfrentam estes diferentes tipos de realidade.
Os sem-abrigos têm sido o principal alvo de ajuda do movimento <NÓS>. E a ideia destes, tão esforçados associados, é serem dinâmicos, é marcarem, cativarem e surpreenderem os que mais precisam. Os voluntários reúnem-se e pensam em formas de ajudar estes cidadãos tantas vezes ignorados pela sociedade. Questões como: o porquê desta diferença social?; o porquê da falta de uma mão-amiga; o porquê de não terem direitos a necessidades básicas?; são algumas das interrogações que os membros desta organização tentam combater.
A primeira grande iniciativa foi no dia 24 de Dezembro. Com a ajuda de Manuel, um ex sem-abrigo, detentor de uma grande força e capacidade de mudança e ainda, com o apoio destas causas humanitárias vê-se, hoje, já com uma vida completamente diferente daquela que pensava ser finita, não se esquece do passado e procura concretizar novos finais felizes como o seu caso. A recolha de diversos alimentos, de produtos de higiene pessoal, de roupas e até mesmo de alguns donativos possibilitaram a realização de uma ceia de natal. No Mercado do Bom Sucesso as portas abriram-se para receberem os sem-abrigos que por ali passaram, para além de uma refeição digna de uma época tão comemorativa como o natal, as horas passadas à mesa e à conversa pareciam ser o suficiente para tornar a véspera de natal ainda mais especial.
Para a <NÓS entre iguais> o objetivo foi cumprido, a satisfação pessoal foi muito para além da que imaginavam, no fundo, foi mais um incentivo para a continuação e empenho deste projeto.
A estudante de psicologia, Manuela Rebocho, acrescentou “foi muito recompensador...Veres os teus esforços a serem recompensados. Fizeram o meu dia mais feliz.”
Apesar de ter sido a primeira iniciativa com tamanha dimensão, outras ajudas foram e são feitas. Á porta da ULP esteve, no último mês do ano, uma caixa em que foram feitas algumas recolhas materiais. Objetos simples eram pedidos, desde brinquedos a livros, tudo pela ajuda de uma causa maior.
Um dos responsáveis pela luta contra a pobreza, Luciano Novais, ex- estudante da Universidade Lusófona do Porto e voluntário <NÓS> respondeu a algumas perguntas, disse-nos, inclusive “faz todo o sentido atuar neste tipo de população que está mais discriminada e isolada, não têm o mesmo tipo de base que nós. Decidi envolver-me numa causa que sinto que posso ser útil e arranjar um rumo de vida a quem não têm.”
Com a pobreza a aumentar, quer seja esta de carência social, de falta de recursos económicos e de carência das necessidades básicas a organização começa a ganhar destaque. Com a vinda à sala nobre da Universidade Lusófona apresentaram a sua organização, as suas causas e os principais objetivos em mente. “O objetivo foi divulgar e dar a conhecer esta iniciativa, o <NÓS entre iguais>. Apresentar à comunidade, pois é um projeto ainda pouco divulgado>, afirmou Rita Freitas, voluntária.
Nessa quarta feira de Dezembro foram também vendidos alguns postais, calendários e outros objetos personalizados. E os estudantes da universidade mostravam-se sensibilizados com o projeto, paravam para ouvir algumas testemunhas ou até mesmo para ouvir os voluntários a falar não só do <NÓS> como também, das muitas histórias que lhes ficaram na memória. Ainda, as fotografias não podiam faltar, essas os alunos pareciam não ignorar, o hashtag #nosentreiguais invadiu as redes sociais. Um dia em cheio para esta associação e um dia de reflexão para quem se sentou a ouvir estes testemunhos.
Para este novo ano de 2016 já foram traçados alguns objetivos. <NÓS entre iguais> é um projeto em desenvolvimento cujas metas estão ainda muito longe de serem alcançadas - a pobreza como foco central - qualquer um de nós, pode tornar-se voluntário apenas precisa de se inscrever e, sobretudo, ser capaz de ajudar o próximo. Como tal, para os interessados na causa, o e-mail serviçodepsicologia@ulp.pt.
Juliana Pinheiro

Como lidar com a pobreza aos 23 anos
A pobreza é uma condição debilitante que afeta em volta de 836 milhões de pessoas diariamente. As Nações Unidas definem a pobreza como “falta de renda e recursos produtivos…acesso limitado a educação e outros serviços básicos…falta de capacidade para funcionar na sociedade civil.” Um equívoco que muitas pessoas cometem é pensar que a pobreza é limitada aos países em desenvolvimento do terceiro mundo, enquanto elas não estão completamente erradas, a pobreza severa faz parte dos países em desenvolvimento, outras categorias de pobreza são encontradas nos países desenvolvidos do primeiro mundo. Os Estados Unidos, um dos países mais ricos e influentes do mundo ocidental têm um índice de pobreza, disputado, entre 4,5 e 14,5% com sua população total de 319 milhões isto faz com que a população americana em estado de pobreza esteja em 6-46 milhões. Para por isto em perspetiva vamos ver o caso de uma americana que se encontrou nesta situação.
Kirsten Bean era uma adolescente entre muitas, morava no subúrbio de classe media-alta de Briar Village em Houston, Texas, ia a igreja aos domingos com seus pais e quando não estava na escola cuidava de seus dois gatos. Não era acostumada à uma vida de luxo mas tinha seus confortos, poderia ate ser considerada uma WASP (White Anglo-Saxon Protestant) que era apreciado pela sociedade homogeneizada texana. Infelizmente em 2006 seu pai, Rex Bean e a única fonte de renda da família de três, foi diagnosticado com demência precoce e sem saber a situação em que eles estavam ia deteriorar ao longo do tempo. Por alguns anos a família tentou continuar sua vida como sempre foi com a pequena adição dos custos médicos de Rex, todos iam a igreja ao domingo e Kirsten e sua mãe faziam trabalhos voluntários na mesma e escola secundária em que estudava.
Depois de concluir o secundário Kirsten estava pronta para entrar na universidade e continuar sua vida mas a condição de seu pai ainda estava a piorar; agora sem condição de trabalhar e forçado a tomar uma reforma antecipada a família viu a sua renda mensal cair para um quarto do que era antes e agora tinham que sobreviver com $2000 por mês. Kirsten não se abalou muito com a mudança, diminui sua carga horaria na universidade para diminuir o custo das propinas e com a maior quantidade de tempo livre arranjou um emprego part-time para ajudar com as finanças. A família saiu da casa de quatro quarto no subúrbio em que moravam a 15 anos para morar em um townhome no centro da cidade; townhomes são casas geminadas sem jardim, a escolha foi feita por que uma casa menor era mais barata, fazia mais fácil para tomar conta do pai não podia mais ficar sozinho, não haviam mais custos de jardinagem e sua localização era mais económica já que a distância para os lugares que eles tinham que ir não era mais tão longa e agora eles podiam utilizar transportes públicos ou irem a pé.
Infelizmente este não é o fim da história; enquanto a condição de Rex deteriorava e ele esquecia mais sobre o mundo em que vivia os custos de seu tratamento médico aumentaram. O dinheiro de reformado e o emprego part-time de Kirsten não eram o suficiente para manter a família. Por não ter nível superior Kisrten teve que arranjar um segundo emprego part-time e pela falta de tempo e dinheiro foi forçada a abandonar a universidade. A família entrou em contato com a Welfare Office, o sistema de assistência social americano, mas por que Rex ainda trabalhou por um tempo apos ter sido diagnosticado ele era considerado reformado antecipado e não reformado por invalidez e não era elegível a qualquer assistência social. Com poucas alternativas a família tornou-se a fé mas a única oferta feita pela igreja que eles atenderam tão fervorosamente foi para leva-los a um lar de desabrigados e ajuda-los a vender todos os seus bens. Sem opções a família vendeu tudo o que tinha; preciosidades e objetos com valor sentimental, joias de família que não eram usadas, móveis que faziam tanto parte da casa como deles, um piano que seu avo tocava na década de 50, todos vendidos as pressas em um garage sale pelo que pode ser considerado uma miséria.
Este ultimo dinheiro que foi obtido foi usado para comprar passagens ate a Florida onde eles ficariam mais próximos de parentes, que podiam ajudar emocionalmente e financeiramente, e o custo de vida era mais barato. Com o pouco dinheiro que estavam a receber conseguiram achar um apartamento de um quarto, para três pessoas e dois gatos. Neste ponto eles queriam se livrar dos gatos, não tinham mais condições de cuidar deles e as despesas dos animais podiam ser usadas para outras coisas mais importantes, mas os gatos eram uma das poucas coisas que Rex se lembrava e a presença dos mesmos dava um efeito calmante terapêutico a toda a família. As condições do apartamento não eram ideais, má parte da cidade, baratas na cozinha, etc. Kirsten continuava a arranjar empregos part-time por que agora ela era a única renda da casa, o estresse combinado com a ansiedade tornou-a alcoólatra, era a única fuga que ela tinha, eram muitos problemas para pouco tempo e dinheiro, ela precisava de apoio e ajuda profissional mas não tinha dinheiro para isto. Tudo enquanto a condição de Rex piorava e os custos médicos aumentavam, do dinheiro que ele recebia $1600 iam para seu tratamento o que significa que a família agora tinha apenas $400 para se sustentar durante o mês. Toda economia era pouca. Passavam fome por duas semanas de cada mês por cinco anos. Todo o salario de Kirsten ia para pagar as contas de água e luz enquanto o pouco que sobrava era usado para comprar comida, na falta saciavam sua fome com cubos de gelo e fatias de pão velho.
Em março de 2015 Rex faleceu. Finalmente ganhou seu descanso. Consigo levou grande parte dos problemas financeiros, enquanto estavam tristes por terem perdido o parente amado Kirsten e sua mãe estavam em paz. A mãe começou a receber pensão de viúva, era ainda menos do que Rex recebia antes mas desta vez não tinham despesas medicas. Alguns meses depois ela casou-se novamente, teve vários motivos para isto: queria celebrar a vida que ela ainda tinha, estava muito velha para esperar, Rex iria querer que ele fosse feliz, o novo marido traria estabilidade, não só para ela mas para a sua filha que é o única coisa que lhe resta do outro casamento. Hoje em dia Kirsten mora em South Dakota com a mãe e o novo padrasto, ela mantem emprego part-time por ter desenvolvido uma fobia a falta de dinheiro, agora ela vai focar em reconstruir sua vida e seu primeiro passo é regressar a universidade onde quer cursar jornalismo.
Nesta história vimos uma pessoa que se encontrou em estado de pobreza por simples azar e o efeito que esta experiencia deixa em uma pessoa. Kirsten deparou-se com uma situação que não é comum para pessoas nesta idade, de repente ela era a única fonte de renda para uma família de três enquanto outros da mesma faixa etária estariam preocupados com os seus estudos e arranjariam empregos como uma distração ou método para adquirir experiencia para o futuro mercado de trabalho. O estresse que esta situação impõe em uma pessoa é algo a considerar já que alguém muito mais velho não se daria bem nestas condições e deixa impactos muito mais marcantes em uma pessoa mais jovem com a mente ainda em desenvolvimento, como foi observado mesmo tendo saído desta situação Kirsten desenvolveu uma fobia a ser pobre e a falta de dinheiro, possivelmente no futuro ela possa desenvolver comportamentos compulsivos relacionados a isto. Kirsten tornou-se alcoólatra por que era a única maneira que ela tinha descontrair e relaxar nesta situação. O álcool é um modo barato e rápido para um individuo escapar da sua realidade, a rapidez é um fator já que alguém com muitos empregos não tem muito tempo livre para o lazer. Outras opções de fuga não estavam disponíveis por custarem mais, jogos de vídeo sempre foram uma forma popular de entretimento para Kirsten e sua mãe mas para quem precisa economizar todo o dinheiro possível um Playstation não esta no topo da lista de consumo e muito menos a eletricidade necessária para usa-lo por longo períodos de tempo. Ultimamente não é fácil lidar com uma situação debilitante como a pobreza muito mais para pessoas mais jovens que ate este ponto da sua vida não tiveram tantas responsabilidades como as pessoas mais velhas e acabam por procurar formas destrutivas e viciantes para escapar da sua realidade.
Guilherme Cardoso
Ajudar a lutar contra a pobreza
ANCAP: como ajuda na luta contra a pobreza
Em Vila Nova de Gaia, a Associação Nacional de Combate à Pobreza dá uma mão amiga a crianças, idosos em situações desfavorecidas, toxicodependentes e sem-abrigo .
A Associação Nacional de Combate à Pobreza (ANCAP), situada na Rua Conselheiro Veloso da Cruz, em Vila Nova de Gaia, apoia crianças e idosos em situações desfavorecidas, toxicodependentes, sem-abrigo e luta todos os dias contra a fome e a pobreza. Já com 16 anos de existência e ao abrigo da Lei do Mecenato, o principal objetivo da instituição é ajudar todos aqueles que mais precisam e que se encontram em situações de carência.
Segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), em 2014, em Portugal, a taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais era de 47,8%; e de 19,5% depois de transferências sociais. O elevado número de desempregados no País é apontado como o fator que mais contribui para o grande número de pessoas em situação de pobreza. Os indivíduos que se encontram nestas situações contam com o apoio de instituições de solidariedade, como a ANCAP.
Para apoiar grupos vulneráveis em situação de carência, a ANCAP presta serviços como o apoio domiciliário a idosos e acamados, com o programa “Sozinhos entre as gentes”; tem uma cantina social e distribui mensalmente um cabaz de alimentos às famílias mais necessitadas. Neste momento, a ANCAP apoia perto de 225 famílias, o que corresponderá a um agregado familiar de 550 pessoas, segundo conta Rosalina Pires, membro da instituição.
O programa “Sozinhos entre as gentes” presta apoio domiciliário a idosos e acamados desde julho de 2011, de segunda a sexta-feira. A ANCAP distribui duas refeições diárias, uma ao almoço e outra ao jantar, e apoia os idosos nos cuidados de higiene. Assim, tenta melhorar a qualidade de vida dos que têm poucos recursos económicos e diminuir a solidão existente entre os mais velhos. Este programa destina-se a todas as pessoas que apresentam dificuldades económicas e carências alimentares.
A cantina social, na Rua Pinho Valente, em Vila Nova de Gaia, serve, todos os dias, cerca de cem refeições completas e gratuitas aos sem-abrigo, idosos, desempregados e a outras pessoas carenciadas. Sempre que escolas, assistentes sociais ou Juntas de Freguesia sabem de alguma situação de pobreza, contactam a ANCAP que tenta fazer “o possível para aliviar os problemas das pessoas ou famílias em questão”, como afirma Rosalina Pires. Em época natalícia, a instituição realizou a ceia de Natal para os mais carenciados, mas agora está encerrada e só voltará a abrir portas em janeiro porque, como diz Rosalina Pires, “nestas alturas de festas, não temos utentes porque normalmente são sem-abrigo que vagueiam muito de um lado para o outro, não são sempre gente certa e, por isso, não se justificava a cantina estar aberta”.
Em Portugal, em 2014, a taxa de desemprego foi de 13,9%, segundo a PORDATA. E, segundo o INE, no terceiro trimestre de 2015 foi de 11,9%. Para ajudar quem está incluído nestas percentagens, a ANCAP distribui cabazes alimentares. Mensalmente a Instituição Particular de Solidariedade Social sem fins lucrativos “apoia cerca de 80 famílias com um cabaz de alimentos, de acordo com o agregado familiar”.
De acordo com declarações de Rosalina Pires, a associação também distribui roupas, calçado e material ortopédico. À instituição chegam vários pedidos de material ortopédico por parte de outras instituições, que pedem apoio para material específico, por exemplo, para material adaptado.
Os produtos incluídos nestes cabazes são doados por particulares e várias empresas, como o Banco Alimentar, Nestlé, Longa Vida, Lexdomus, Panike, Monliz e F. Lima. A ANCAP também realiza peditórios de produtos alimentares em vários hipermercados do concelho do Porto.
Um dos projetos que a Associação Nacional de Combate à Pobreza está a tentar concretizar é a construção da Casa de Acolhimento de Crianças, que irá ajudar crianças abandonadas ou desprotegidas, pois a pobreza infantil afeta um quarto das crianças e jovens em Portugal. Nesta casa, segundo Rosalina Pires, irão receber cerca de 60 crianças, que terão acompanhamento médico e social. O custo para a construção das instalações é de 450 mil euros, aproximadamente. Para angariarem fundos para a realização deste projeto, estão a ser comercializados produtos de merchandising associados à imagem da ANCAP, como o Cappy.
O Cappy é a mascote da ANCAP e foi criado para angariar fundos para a aquisição de cadeiras de rodas e aparelhos ortopédicos para as crianças de famílias que não têm possibilidades económicas. Agora, quem comprar o Cappy está a ajudar o projeto da construção da Casa de Acolhimento de Crianças. Segundo Rosalina Pires, o Cappy representa as crianças e por isso “é alegre, saudável, solidário e tenta sensibilizar a sociedade sobre a pobreza”.
Segundo Rosalina Pires, a ANCAP ajuda “a promover a autonomia das pessoas dependentes, a promover a auto-estima e qualidade de vida, a combater a solidão dos mais idosos”, prestando auxílio nas necessidades básicas a quem mais precisa.
Mas a crise também atingiu as instituições de solidariedade, pois as pessoas doam cada vez menos dinheiro. A ANCAP enfrenta dificuldades no seu dia-a-dia, mas para as ultrapassar conta com a ajuda de voluntários, de empresas e de vários parceiros. Esses parceiros são: a agência matrimonial Amore Nostrum, dirigida a pessoas que querem ter sucesso a nível amoroso; a Lilly Portugal; a Servilusa; a Xporcento Lda., que é uma empresa da área da consultoria financeira e de investimentos imobiliários; a Nevada Bob’s Golf, que através do cartão NBG Mastercard faz com que os indivíduos possam dar o seu contributo e ajudar nos projetos da instituição; a ARQ 2525 – Arquitetos, Lda., empresa de projetos de arquitetura, engenharia, design e gestão de obras; o Clube Sol da Escola Profissional de Gaia, que realiza feiras, ceias de Natal para idosos e embrulhos de presentes na época natalícia para ajudar a ANCAP e as crianças do concelho de Vila Nova de Gaia; e o Via Catarina, que doa as moedas que são atiradas para a fonte do centro comercial.
A Associação Nacional de Combate à Pobreza apoia um elevado número de pessoas e não usufrui de qualquer apoio governamental, por isso conta com a solidariedade de todos para poder continuar a ajudar quem mais precisa. Todos podem ajudar a associação ao comprar o Cappy ou ao transferir 0,5% do IRS para a ANCAP, pois cada contribuinte, ao preencher a declaração de IRS, pode doar 0,5% para uma Instituição de Solidariedade Social. Pode também ajudar fazendo um donativo na conta da ANCAP, através do IBAN: PT50.0036.0241.9910.0028.0000.5.
Ana Sofia Silva
Luz Serena - Instituição de ajuda contra a pobreza
Luz Serena: Uma instituição na luta contra a pobreza
Portugal vive cada vez mais com famílias em situação precária. São cada vez mais os jovens que estão no desemprego. Estes jovens ao acabar os estudos deparam-se com uma realidade cada vez mais evidente, em Portugal não existe trabalho. O risco de pobreza não para de aumentar desde que a crise invadiu o país. O facto de várias empresas fecharem, e de ter havido um aumento de impostos levou a que houvesse um maior número de famílias a viver em situações muito difíceis e que necessitam da ajuda de instituições de caridade para conseguirem sobreviver durante o mês.
Assim, neste contexto na União de Freguesias de Santo Isidoro e Livração, em Marco de Canaveses surge a Instituição “Luz Serena”. Esta instituição foi criada há 2 anos e é dirigida por Sandra Rodrigues e tem como principal preocupação “ajudar a população da freguesia que esteja em situação precária, que passa por dificuldades a vários níveis”, Sandra diz que “existem para ajudar quem precisa de nós”.
São vários os tipos de pessoas ajudadas pela instituição. Segundo Sandra Rodrigues maior parte dos ajudados são “ reformados com pensões baixas, adultos que não trabalham e estão a viver com os pais, pessoas bastante doentes, debilitadas, com doenças como a diabetes e uso excessivo de álcool, várias pessoas que estão desempregadas, pessoas com filho que têm paralisia cerebral, ex-toxicodependentes que não trabalham e pessoas que vivem do rendimento mínimo”.
No total é 52 o número de famílias que são ajudadas pela instituição recebendo todos os meses um cabaz de alimentação. Além de alimentação, vários outros produtos são disponibilizados pela instituição. Além da alimentação são disponibilizados também brinquedos para as crianças, várias peças de vestuário tanto para adulto como para crianças e também têm um gabinete de psicologia para dar apoio psicológico às pessoas que necessitem.
O gabinete de psicologia serve para ajudar pessoas que passaram por situações traumáticas, como por exemplo, violência doméstica e ajudam também pessoas que estejam com depressões devido à fase que estão a atravessar ou por outros motivos quaisquer e pessoas que tenham vícios como o álcool e as drogas.
A recolha de produtos de alimentação por parte da instituição é feita todos os fins de semana, com o banco alimentar nos supermercados em todo o país, através de armazéns de produtos alimentares no Porto e também através de levantamentos de donativos.
A recolha de brinquedos e vestuário é feita através de donativos de uma empresa e também da ajuda da população que vai entregar esses produtos à instituição.
A ”Luz Serena” tem alguns casos especiais como nos diz a diretora Sandra Rodrigues, “ temos a Joana, que é uma menina que sofre de uma doença rara. A instituição além de ajudar com os alimentos, os brinquedos e o vestuário, todos os meses ajudamos na farmácia com um vale de 100€”. Outro caso que também é diferente é o de um casal em que o marido trabalha, mas é toxicodependente e não dá qualquer ajuda para as despesas da família, tendo uma filha com 16 anos.
Além destas ajudas, apoiam também o centro de dia da Livração e e a instituição não impõe qualquer tipo de limitação em relação à ajuda que dá. Sandra Rodrigues diz que “ se vier alguém que seja de fora, do Porto ou de outro sítio qualquer, e que precise de ajuda, quando há uma situação esporádica, ajudamos essas pessoas, mas as pessoas daqui da terra, que fazem parte da instituição são ajudadas mensalmente”.
A instituição tem vários objetivos para o futuro e pediu agora para ser IPSS (Instituições particulares de solidariedade social) em que recebe uma ajuda do estado de forma a ter melhores condições e mais produtos para puder ajudar cada vez mais famílias.
Sandra Rodrigues diz ainda que “ a instituição tem vários projetos, mas para isso necessitamos da ajuda da segurança social” e que o objetivo da instituição é um dia puder fazer domicílios”.
Para divulgar a instituição todos os dias são distribuidos flyers e tentam sair uma ou duas vezes por ano no jornal, sendo que em Janeiro de 2016 vão sair no jornal devido aos cabazes de natal que ofereceram às famílias.
Estes cabazes de natal foram oferecidos às famílias no dia 22 de Janeiro fazendo com que as famílias recebessem o seu cabaz habitual do mês e ainda este como um extra.
Sandra Rodrigues diz que este trabalho apesar de ser muito recompensador em termos de vivência pessoal e de melhoria do ser humano é muito difícil devido a várias situações eu acontecem, “ as mães muitas vezes entram aqui a chorar por não ter o que dar aos filhos, é muito difícil ver as pessoas nestas situações e tentamos ajudar o máximo que conseguimos”. Diz ainda que nota-se claramente quando as crianças sentem carência de alguma coisa “ as crianças quando entram aqui vão diretamente aos brinquedos, muitas delas praticamente nunca tiveram contacto com eles, ficam fascinados”.
Com cada vez mais famílias a passarem por situações difíceis ajudas como a desta instituição tornam-se essenciais para garantir a sobrevivência e as condições mínimas de vida do ser humano.
Tiago Ribeiro
Adeus anexo, adeus mar, olá esperança
Conjunto Habitacional da Boa Esperança
Adeus anexo, olá casa
“Conjunto Habitacional da Boa Esperança” é o sonho de quem acha normal viver com o mar à porta.
Na zona da praia de Esmoriz, há mais de duas décadas que os moradores do bairro piscatório viam defraudadas as expetativas de serem deslocados. As casas têm condições lastimáveis, há lixo espalhado nas ruas, e aqui e ali descobrem-se autênticos barracos, com paredes improvisadas em chapa. Algumas são construções ilegais, clandestinas. Os casos mais graves de precariedade estão nas famílias que residem na primeira linha de mar, onde as águas são uma ameaça constante. E houve situações em que este convívio de perto com o oceano inundou os lares, abatendo o caos sobre a população.
Há muito prometida pela Câmara Municipal de Ovar (CMO) estava a criação de um conjunto habitacional, longe da costa, que tardava em chegar. Desde 1993 que o projeto era falado. Daria às pessoas do bairro melhor qualidade de vida e garantiria a sua segurança, mas foi-se arrastando.
Os anos passaram e durante esse tempo Emídio Silva viu a água entrar-lhe em casa por três vezes. “Uma em 2001, outra em 2002, e em 2004, se não estou em erro, fui invadido a terceira vez.” O último alagamento teve consequências trágicas para si e para os vizinhos. Pouco depois, a Câmara viria a erguer uma duna entre as casas e o mar, dotando de maior proteção os alojamentos contíguos à margem. “Se não fosse a vala, já tínhamos ido de vela há muito”, receia.
Emídio tem agora 61 anos, mas foi ele quem, na juventude, ergueu os anexos de aspeto precário onde se mantém ainda hoje a viver com a família. “Construí isto tudo.” E aponta para a estrutura mais próxima, feita em tijolo e cimento, onde fica um quarto e uma cozinha apertada. “Este anexo foi levantado num dia. Num dia! Eu, o meu cunhado, o meu sobrinho, a família a ajudar-se uns aos outros…”
O terreno era seu, e são já 38 os invernos que aqui acumula de preocupações e angústias, agravados nos dias em que as ondas rebentam menos distantes. Ainda se recorda dos momentos de aflição quando o mar lhe irrompeu pela soleira da porta. “O desespero que foi. Era bombeiros a coar água, era mobílias estragadas, tudo estragado…”
Agora, o estado de espírito é outro. Os dias com o coração nas mãos estão quase a acabar. Ao fim de tantas promessas, a CMO tardou, mas honrou a palavra dada. As residências novas estão construídas e têm data marcada de inauguração: 12 de dezembro. No total, são 30 moradias, e uma delas (um T3) foi atribuída à família de Emídio, prestes a abraçar uma vida mais tranquila. Para trás, fica o calvário e o tormento. “Não me deixa saudades nenhumas. Então ia aqui morrer afogado, mais os meus netinhos? Nem pelo amor de Deus…”
Filhos e noites sem dormir
Numa das dependências adjacentes mora Carla Matos, nora de Emílio, juntamente com o marido e os três filhos. Está ali há 8 anos, num cubículo de três divisões – uma cozinha e dois quartos. Os banhos fazem-se no exterior, com uma mangueira, e as necessidades no compartimento da retrete, construído pelo sogro.
Embora a ela o mar nunca tenha invadido, as condições da casa são uma dor de cabeça. “Chove lá dentro. Tem humidade e faz frio”. No interior, o tijolo das paredes está descoberto, sem revestimento. O estendal é pendurado cá fora, uma corda entre dois paus espetados na areia – que rodeia a casa e suja tudo quando entra, agarrada aos sapatos. “Nem uns tapetes limpos posso ter, sequer”, desabafa.
Desde que soube que ia ter direito a uma casa nova, o rosto de Carla ganhou outra alegria. “Sinto-me feliz.” Falta pouco, mas ainda é preciso esperar. Além da chave, é necessário celebrar contratos de eletricidade, água e gás. A mudança completa, talvez só depois do Natal.
Neste momento, está desempregada. Ocupa-se com as lides domésticas e as crianças são a sua principal dor de cabeça. É sobretudo por elas que quer sair dali o mais rapidamente possível. “Se não fosse esta oportunidade, tinha de meter-me numa casa de renda, porque aqui não há condições para os miúdos, nem pensar”, admite. O agregado depende dos rendimentos do marido, que é padeiro. Como o dinheiro não abunda, admite que essa alternativa seria muito difícil, por falta de euros. “Se não tivesse… Tinha de esticar o dinheiro, que remédio.” Entretanto, vai empilhando em caixas de cartão o que pretende levar. Em breve, estarão todos acomodados nos novos aposentos, debaixo de um teto seguro.
A vizinha, Manuela Ribeiro, já nem dorme a pensar nas futuras instalações. “Estou muito ansiosa, passo noites sem dormir.” Tem 42 anos, e há 37 que habita na primeira linha de costa, numa residência colada ao mar, e por duas vezes a viu alagada. “Foi horrível, um pandemónio, arruinou-me tudo.” O pior costumava chegar no inverno. “De verão é tudo muito bonito, o mar é bom e não chove. Mas de inverno, é mau. Então quando é marés vivas…”
Agora, Manuela não cabe em si de contente, pois também terá direito a uma das moradias recém-construídas. “Estou à espera disto há uma eternidade. Estou satisfeita porque vou poder dar à minha mãe outras condições, e ao meu filho também.” A expetativa é grande. E a esperança de uma vida melhor tira-lhe o sono por boas razões.
A chave para uma nova vida
Foi um dia histórico na cidade de Esmoriz, o último 12 de dezembro. A inauguração do Conjunto Habitacional da Boa Esperança estava marcada para as 9h30. A essa hora, a fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Esmoriz abriu as hostilidades, fazendo soar os trompetes e trovejar os tambores, e conferiu alguma animação, enquanto desfilava.
A cerimónia solene de entrega das residências veio a seguir. Finalmente, depois de uma longa espera, as 30 famílias realojadas foram recebendo as chaves, uma a uma, das mãos do Presidente da CMO, Salvador Malheiro. A emoção era visível nos moradores. Alguns rostos vertiam lágrimas; o de Carla era um deles. Daqui para a frente, estas pessoas beneficiarão de condições mais modernas e funcionais, além da sua segurança ser inequivocamente salvaguardada, dada a maior distância deste novo edifício face à linha de mar.
Quando aceitaram as novas casas, estas famílias foram obrigadas a assinar declarações de autorização para a demolição das suas anteriores residências. O objetivo da administração da Câmara e da junta de freguesia será levar a cabo um novo arranjo urbanístico em toda a região do bairro piscatório.
O novo conjunto habitacional é comprido e colorido. Alberga 30 fogos/casas, dos quais 18 são T2, e 12 T3. Estima-se que deverá servir as necessidades de cerca de 100 pessoas. As habitações dispõem à sua frente de um terreno que, em breve, poderá ser dotado de um espaço recreativo para as crianças e de uma área para pequenos espetáculos.
A sua concretização implicou um investimento global de 2,2 milhões de euros. O valor foi integralmente suportado pela CMO e cobriu despesas relacionadas com a obra, infraestruturas, terreno e fiscalização. “A certa altura houve uma parceria com o Estado, que gradualmente foi perdendo a sua sustentação, atrasando o projeto”, lamentou o Presidente da CMO, Salvador Malheiro.
No entanto, para o edil, o dia era de alegria. “Concretizar este sonho é motivo de enorme regozijo da minha parte, não só na questão de honrar com a palavra dada, mas sobretudo por ver no rosto destas pessoas um sorriso nos lábios, uma lágrima a cair de felicidade.”
António Bebiano, Presidente da junta de freguesia de Esmoriz, mostrou-se contente pela conclusão da obra, mas não encerra aqui a missão. “Há o sentimento de uma etapa cumprida, mas muito mais há a fazer. É um primeiro passo no sentido de reabilitar e dignificar a nossa zona piscatória, acudindo a situações mais urgentes de carência social.” Havendo planos para o futuro, para já, fixam-se em melhorar a vida destas 30 famílias, para quem melhor prenda de Natal era impossível.
Destaque ainda para a bênção do complexo habitacional por parte do pároco Fernando Campos. Também se fizeram representar entidades de cariz social, que contribuíram, trabalhando mutuamente com a Câmara, para a conclusão do projeto.
Ricardo Marques